Título: Brasil lança 1º eurobônus em reais
Autor: Cristiane Perini Lucchesi e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Finanças, p. C1

Mercado Externo Emissão surpreende pela demanda de US$ 4 bi e pelo prazo de dez anos

O mercado se surpreendeu com a demanda dos primeiros eurobônus da história do país indexados à moeda brasileira emitidos no exterior pelo Tesouro Nacional: US$ 4 bilhões. O prazo de vencimento também foi espantoso: 2016. No mercado interno, o título do governo prefixado de prazo mais longo são as chamadas NTN-Fs (Notas do Tesouro Nacional da Série F), que têm vencimento final em 2012 e pouquíssimo interesse do mercado. "É mais uma amostra de que o investidor estrangeiro continua acreditando mais no Brasil do que o nacional", afirmou Ricardo Simone Pereira, diretor do Multi Commercial Bank. No final, o Brasil emitiu US$ 1,5 bilhão desses papéis, com relação ao máximo de US$ 750 milhões esperado. Os títulos saíram com cupom (juro nominal) de 12,5% ao ano e rendimento de 12,75% ao ano. As NTN-Fs têm cupom de 10% ao ano e saíram com rendimento de 15,2% no último leilão de 15 de setembro. "Havia uma grande demanda represada por esse tipo de papel no mercado externo", conta Paulo Soares, diretor da área internacional do Banco Itaú, o banco brasileiro que co-liderou a operação. Para ele, a captação da República vai abrir espaço para outras emissões em reais, como a lançada ontem mesmo pelo Bradesco. "Até agora, você só tinha operações pequenas de bancos. Com a República como benchmark, a situação mudou", afirma. Soares diz que a colocação dos títulos foi pulverizada, com compras de todo o tipo de investidor, como os fundos de hedge, mais agressivos, fundos dedicados a mercados emergentes, fundos mútuos não-dedicados, tesourarias de bancos e fundos de private banking (gestores de grandes fortunas das pessoas físicas). Para o secretário-adjunto do Tesouro, José Antonio Gragnani, ficou demonstrada a confiança do investidor estrangeiro nos fundamentos macroeconômicos do país. Com a operação, novos investidores foram atraídos para o financiamento da dívida brasileira, comemorou ele. Os especialistas consideraram a emissão um grande sucesso. Segundo eles, a operação contribui para a queda nos juros em reais e para o alongamento do prazo da dívida interna, além de reduzir a parcela da dívida pública indexada ao dólar. Os impactos nos juros internos já se fizeram sentir: os contratos de "swap" (troca) de juros prefixados por pós-fixados de vencimento em cinco anos tiveram taxas de juros reduzidas de 15,78% ao ano no dia 9 para 14,80% ao ano ontem. "O Tesouro deve aproveitar o avanço conseguido no exterior ao máximo e trazer os benefícios para o mercado interno", acredita Pereira. Para ele, os contratos de juros futuros de vencimento em 2008, 2009 e 2010 devem ter um aumento de liquidez "com a âncora mais longa no mercado externo". Isso porque os fundos de hedge, importantes compradores do papel, vão descobrir inúmeras formas de ganhar dinheiro vendendo os títulos no exterior e comprando juros no mercado interno e vice-versa. "Descobriram uma forma de reduzir os juros no Brasil!", brincou Adauto Lima, economista do WestLB do Brasil. Segundo ele, o Tesouro está agindo corretamente ao aproveitar o bom momento para reduzir sua dívida indexada ao dólar no mercado interno e externo. Ele lembra que o Tesouro já captou tudo o que precisava no exterior neste ano e que já levantou US$ 2,5 bilhão de pré-financiamento para 2006. "A tendência de redução da dívida externa deve continuar", disse. Alexandre Lintz, estrategista-chefe do BNP Paribas, considera que a emissão coloca o país em melhor posição para ter uma elevação na sua nota de crédito - a captação já foi elogiada por Lisa Schineller, da Standand & Poor's. Lintz lembra que a operação começa a pôr um fim no chamado "pecado original" dos mercados emergentes: sua incapacidade de emitir dívida externa em sua própria moeda. Essa incapacidade foi chamada de "pecado original", pois aparentemente faz parte da própria natureza dos mercados emergentes. "Por causa disso, os mercados emergentes são vulneráveis a grandes desvalorizações de suas moedas, que geralmente são resultado de colapsos nos fluxos de capitais e geralmente têm pouca relação com as condições domésticas ou fundamentos", disse Lintz. A emissão de ontem foi em dólar, mas acaba com o impacto negativo da desvalorização nas contas do país.