Título: As marcas e o interesse nacional
Autor: John Kay
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2004, Opinião, p. A-13

Deveriam escoceses patrióticos, como eu, importar-se com o fato de que o controle do uísque Glenmorangie esteja passando às mãos do conglomerado francês LVMH, uma companhia famosa por refinados produtos estrangeiros como as malas Louis Vuitton, o champanhe Moët et Chandon e o conhaque Hennessy? Ou será que nossa preocupação reflete aquele sentimentalismo piegas que freqüentemente toma conta de aficcionados de Robert Burns e de sir Walter Scott depois de uma ingestão substancial da bebida nacional? As pessoas sóbrias em suas opiniões apontam para o fato de que a empresa moderna é internacional e que a localização geográfica de controle proprietário deixou de ser relevante. Os mercados de capital mundiais transcendem fronteiras nacionais. Por essas razões, o governo britânico não intervirá para manter Glenmorangie escocesa, e não impôs obstáculos à aquisição do grupo de serviços financeiros Abbey pelo espanhol Banco Santander. Mas nem todo mundo compartilha dessa opinião. Pequenos acionistas da Abbey deixaram isso claro ao criticarem acintosamente seu chairman na assembléia da semana passada. Nicolas Sarkozy, ministro das Finanças da França, distingue-se de outros políticos franceses por suas credenciais em defesa do livre mercado, mas interveio para impedir que a Aventis caísse em mãos suíças. E o governo alemão está defendendo seu direito de manter a Volkswagen alemã. O argumento segundo o qual o controle proprietário estrangeiro é irrelevante porque a empresa é multinacional contém uma contradição inerente. Se as empresas realmente transcendessem fronteiras, o conceito de controle proprietário estrangeiro não teria importância. Porém, isso indiscutivelmente é relevante. Embora Glenmorangie e LVMH operem em todo o mundo, Glenmorangie é uma companhia escocesa e a LVMH é uma companhia francesa. Quase todas as companhias têm uma nacionalidade identificável. A despeito da ubiqüidade de suas operações, a Coca-Cola é americana, e a Nestlé é suíça. A nacionalidade empresarial reflete-se não apenas na localização da sede da empresa e na nacionalidade de seus mais altos executivos, mas também em seu estilo de fazer negócios. No máximo, a alta administração poderá incluir membros de diversos países. Mas apesar de a Ford e a L´Oréal terem tido, recentemente, executivos-chefes britânicos, suas culturas permaneceram, respectivamente, americana e francesa.

A vida comercial de uma cidade, região ou país fica mais pobre se o controle de operações bem-sucedidas é transferido para outros países

Há poucos exemplos de companhias que efetivamente tenham se despido de suas nacionalidades. As duas grandes companhias anglo-holandesas -Royal Dutch/Shell e Unilever -, foram bem-sucedidas na manutenção de sua dupla cidadania. A ABB, uma combinação suíça/sueca, que usa o idioma inglês na condução de suas operações, foi por algum tempo uma verdadeira cidadã do mundo. Mas o desempenho de seu negócios desapontou. A nacionalidade empresarial influencia o comportamento empresarial. Tomadas de decisões são influenciadas pela cultura na qual os executivos foram criados, trabalham e vivem. Uma comunidade local vibrante necessita de líderes empresariais bem-sucedidos - e é prejudicada se a autoridade dos líderes é esvaziada. Talentos vão para os lugares onde as coisas acontecem, e as coisas acontecem na sede das companhias. Esses argumentos já foram ouvidos antes na Escócia. Em 1982 a Comissão de Monopólios e Fusões rejeitou duas propostas de compra do Royal Bank of Scotland por bancos estrangeiros. A principal justificativa foi que "as fusões propostas teriam efeitos adversos sobre perspectivas de carreira, iniciativa e empreendedorismo, na Escócia, que poderiam ser prejudiciais ao interesse do público britânico". O veredicto causou surpresa, e a legislação britânica foi, posteriormente, emendada, com o objetivo de que uma decisão de bloqueio a uma fusão não pudesse ser tomada com base em tais justificativas. Mas os acontecimentos comprovaram que a comissão estava certa. O Royal Bank of Scotland, mantendo uma predominância de escoceses em sua alta administração, inovou e cresceu, assumindo a forma de uma operação independente - e é ela própria, atualmente, a mais destacada companhia multinacional escocesa. Os governos não deveriam incentivar empresas representativas da nacionalidade protegendo empresas fracas do mercado de seus respectivos produtos. Não deveria haver subsídios para companhias automobilísticas inoperantes, companhias aéreas irremediáveis e apostas tecnológicas duvidosas. Mas há argumentos válidos para apoiar empresas representativas de um país mediante a proteção de companhias fortes da agressividade do mercado de capitais. A vida comercial de uma cidade, região ou país resulta empobrecida, se o controle de suas operações bem-sucedidas é transferido para outros países. O cálido fulgor induzido pelo Glenmorangie e os frios fatos da experiência empresarial levam à mesma conclusão.