Título: Ofertas multiplicadas
Autor: Adriana Aguilar
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2005, Valor Especial / CARTÕES E CRÉDITO AO CONSUMIDOR, p. F1

Migração maciça dos pagamentos em papel para meios eletrônicos poderia render economia de 1,5% do PIB. Mira dos agentes está no cliente de baixa renda

A tendência de substituição do cheque e do dinheiro pelos cartões, sejam de débito ou de crédito, continuará forte nos próximos anos. Além de beneficiado pela estabilidade econômica, o uso do "dinheiro de plástico" é tendência mundial. O Brasil ainda está longe de países como a Dinamarca, Holanda e Finlândia, que têm 100% de seus pagamentos feitos por meios eletrônicos. Por isso, há um vasto mercado a ser explorado pelas administradoras de cartões e instituições financeiras. O tema será discutido em profundidade em congresso que começa hoje e vai até quarta-feira, no Centro Fecomércio de Eventos, em São Paulo. O Banco Central (BC) já indicou o rumo: quer que os pagamentos no Brasil sejam totalmente feitos por meios eletrônicos. Um estudo preparado pelo BC verificou que do total de pagamentos feitos apenas nos estabelecimentos varejistas, metade ainda é feito por cartão e a outra metade com dinheiro ou cheque. A boa notícia é que o uso do cartão de débito tem crescido nos últimos cinco anos, segundo o estudo. O crescimento do uso do cartão de débito no total de pagamentos realizados, que inclui além do varejo os serviços, no Brasil, foi de 2,6%, em 1999 sobre 1998, e de 15,3% em 2004/03. Nos Estados Unidos, o volume de compras no cartão de débito supera as compras no cartão de crédito. E no Brasil, essa tendência começa a se confirmar. Em segundo lugar entre as formas de pagamento que mais cresceram ficou o cartão de crédito, com aumento de 13,4% em 1999 e 21% em 2004. O estudo do BC também mostrou que a utilização de cheques caiu. Cresceu 63,4% em 1999/98 e apenas 35,4% em 2004/03. Estudos internacionais indicam que se houver a migração maciça dos pagamentos em papel para meios eletrônicos, qualquer país registraria uma economia de 1% a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, o número oficial só será divulgado no primeiro semestre de 2006, quando o departamento de Operações Bancárias e de Sistemas de Pagamentos do Banco Central (Deban) finalizar o levantamento, explica o consultor Marcos Torres. Mas a expectativa é de que fique em torno de 1,5%. Segundo a Mastercard, do total do consumo das famílias em 2002, uma fatia de 7% correspondia ao cartão de crédito e a parcela de 22% ao cartão de débito. Nessa mesma relação, a perspectiva para 2007 é que o percentual dos cartões de crédito suba para 12% e os de débito para 27%. Segundo pesquisas do mercado, 80% das pessoas de alta renda já têm cartões de crédito. O maior potencial para crescer está, portanto, no público de média e baixa renda. O mercado projeta curva de crescimento de penetração dos cartões nas classes C e D de 30% em 2006 e em 2007, enquanto que, no segmento de alta renda, o aumento do número de cartões deve ser de 20% por ano. Mas o processo de conquista dos consumidores de baixa renda é longo. Os especialistas dizem que o uso do cartão não aumenta só com maior emissão e distribuição. A mudança de cultura para a troca do papel pelo "dinheiro de plástico" leva tempo. A Mastercard mantém um projeto de interiorização da aceitação de cartões de débito e de crédito, iniciado em maio. Foram mapeadas cidades onde haveria carência de infra-estrutura para uso de cartões. "De 1,3 milhão de estabelecimentos comerciais, apenas 860 mil estão cadastrados e aceitam cartões de crédito", afirma o vice-presidente comercial da Mastercard, José Posi. As filiações ao uso do cartão são feitas em diversos estabelecimentos de varejo: padarias, restaurantes, supermercados. Além da necessidade da presença dos terminais, da mudança de cultura, também tem de haver o interesse do varejista. Para o diretor de marketing da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Antonio Luiz Rios da Silva, nem todos os pequenos varejistas têm condição de adquirir os equipamentos (terminal de cartão e emissor de cupom fiscal) para realizar o pagamento eletrônico. Nos centros comerciais das grandes cidades do país, uma "onda" de alianças entre bancos e redes varejistas tem sido firmada desde 2004. Um dos objetivos é chegar ao público de menor renda. O Unibanco adquiriu o Hipercard e outras empresas do ramo. O Itaú, por meio da Taii, fez aliança com as Lojas Americanas e a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), que inclui os supermercados Pão de Açúcar, Extra, Sendas e Compre Bem. O Bradesco aliou-se às Casas Bahia, enquanto que o HSBC adquiriu a Losango. Esses são alguns exemplos. É o tipo de parceria sem contra-indicação. O empresário de varejo quer lançar seu cartão de crédito (private label) e os bancos querem alcançar os consumidores do varejo. Dessa forma, oferecem serviços financeiros ao consumidor no mesmo local das compras. Ganha o varejista, pois o tráfego na loja aumenta e fideliza o cliente. E o banco, que conseguiu abrir novo mercado, explica o sócio-diretor da Partner Consultoria, Álvaro Musa. Mas as pessoas com o cartão da loja, em algum momento, também querem usá-lo em outros estabelecimentos para compras a crédito. Por isso, já há cartões emitidos pelas lojas com as bandeiras das grandes administradoras, os chamados cartões "co-branded". Vale lembrar que, no Brasil, há cartões com bandeiras para uso apenas em território nacional. Nem todos são internacionais. Portanto, é possível adaptar os "co-branded" tanto para o público de alta renda quanto para o de menor poder aquisitivo. Para Musa, por enquanto, dá para contar nos dedos as parcerias entre bancos e grandes redes de varejo. Em breve, ele acredita que o número de alianças vá aumentar. Mas, será a vez dos pequenos varejistas. Iniciativa como o Banco Popular (do Banco do Brasil) e o Banco Postal (do Bradesco), por exemplo, poderiam levar os produtos financeiros para dentro das lojas menores. Recentemente, algumas mudanças de estratégias também favoreceram o aumento dos usuários dos cartões. O diretor do departamento de cartões do Bradesco, Marcelo Noronha, lembra que, hoje, já há emissão de cartões com bandeiras para um público que recebe o salário mínimo, de R$ 300,00. No passado, isso não ocorria. Outro detalhe que contribuiu para a maior penetração do "dinheiro de plástico" é que a pessoa física não precisa mais ser correntista do banco para ter o cartão de crédito dele. Dentre os usuários do Itaucard, cerca de 10% já não são mais da base de correntistas do banco. Quando considerados os cartões Credicard (onde o Itaú tem metade da participação desde novembro de 2004), quase 80% dos usuários não são correntistas do Itaú, afirma o diretor executivo da Itaucard, Cláudio Ortenblaad. No Banco do Brasil (BB), a situação é oposta. Ainda há um enorme espaço de crescimento na nossa própria base de clientes. A instituição financeira tem 22 milhões de correntistas, dos quais apenas 7,5 milhões de pessoas físicas têm cartão de crédito, diz o diretor de varejo do Banco do Brasil, Paulo Bonzanini. Iniciativas para conquistar esse público sem-cartão BB não faltam. Além de colocar terminais na periferia e no interior, o banco pode dispensar a anuidade do cartão no primeiro ano ou cobrar uma anuidade proporcional ao consumo da pessoa. Também há programas de milhagem e de recompensas. Tudo para atrair as pessoas físicas. Outro foco do BB são os cartões de crédito emitidos aos governos. "Hoje, são 50 mil, mas podemos chegar a 200 mil cartões até 2007 distribuídos entre funcionários públicos nas esferas municipal, estadual e federal. Há um espaço grande para crescer nesse segmento", afirma Bonzanini. Esses cartões, com bandeiras, podem ser usados em viagens, prestação de serviços, compra de materiais de limpeza, de papéis, entre outras finalidades. O crédito do cartão pode variar conforme o departamento ou a hierarquia do funcionário público. Mas, a grande vantagem é a transparência das informações. Da mesma forma que o consumidor recebe as faturas, cada departamento do governo recebe o relatório "online" das despesas. É possível discriminar os tipos e locais de gastos. Inglaterra e EUA são os pioneiros nessa iniciativa. Usam os cartões há cerca de cinco anos, diz o presidente da Visa no Brasil, Eduardo Gentil. A estimativa é que o governo americano esteja economizando US$ 1,2 bilhão ao ano em compras e custos com frotas de veículos, utilizando esse sistema para qualquer despesa abaixo de US$ 10 mil. Outra possibilidade para o governo é usar os cartões de crédito "pré-pago", com o valor da bolsa família ou bolsa saúde, por exemplo, para distribuição à população.