Título: Encontro do G-4 tenta evitar fiasco em Doha
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2005, Brasil, p. A4

Comércio Exterior UE vai apresentar vários cenários de cortes tarifários

O G-4, grupo integrado por Brasil, Estados Unidos, União Européia e Índia faz reuniões hoje e amanhã em Paris, na tentativa de delinear um acordo agrícola e evitar novo fiasco na Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC). Negociadores dizem que, se não houver sinalização positiva desse encontro, a crise ficará "escancarada" de vez. A UE planeja apresentar vários cenários de cortes de tarifas agrícolas tendo como base a proposta do G-20. O grupo coordenado pelo Brasil propôs uma fórmula intermediária entre a alta ambição dos EUA e a resistência da UE para reduzir as tarifas de importação de produtos agrícolas. Um negociador europeu esclareceu que a UE não vai fazer oferta formal. Mas que os comissários de comércio, Peter Mandelson, e da agricultura, Marian Fischer-Boel, estão prontos para colocar na mesa opções que, todas, dependem do que os outros países se comprometerem a fazer. Um dos cenários que os europeus já acenaram para alguns negociadores em Genebra é reconhecidamente modesto. Sinaliza com uma fórmula com quatro bandas de cortes. Nas duas bandas intermediárias, aceitaria cortar entre 30% e 38%, praticamente idêntico ao que ocorreu na Rodada Uruguai. Nessas bandas estariam os PEP, como são chamados os produtos agrícolas processados, do maior interesse do Brasil e Argentina, além de frutas, verduras, lácteos. Para tarifas acima de 80% ou 90%, os europeus cortariam mais. Só que antes colocam como "produtos sensíveis" carnes, açúcar, tabaco e outros, que ficariam livres desses cortes. "Há várias outras opções", avisa um negociador europeu. Já o agronegócio brasileiro está preocupado. "O Brasil só pode aceitar acordo com corte de no mínimo 65%, do contrário não haverá acesso efetivo para nossas exportações", diz Antonio Donizete, assessor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O Brasil e a Índia esperam receber alguma reação concreta dos dois elefantes do comércio mundial. Em Paris, a maior pressão será para os EUA indicarem cortes em subsídios internos. O Banco Mundial elaborou um cenário mostrando que só haverá redução efetiva nessas subvenções nos EUA e UE com corte entre 75% e 60% - o que o governo Bush está longe de aceitar mesmo discutir. Antes de viajar a Paris, o principal negociador comercial dos EUA, Rob Portman, reiterou que a UE e o Japão, que gastam mais com subsídios do que os EUA, devem cortar mais para que haja novo acordo agrícola. "Cortaremos se os outros cortarem", disse Portman. Uma proposta inovadora de Pedro Camargo Neto, da Sociedade Rural Brasileira, para barrar subsídios, foi recebida com interesse em Brasília: um país não poderia ser autorizado a exportar sua produção se fosse resultado de subsídios distorcivos. "Todo mundo no governo diz que é boa, mas fica nisso", diz Camargo, decepcionado. Na parte industrial, o Brasil, sob pressão, continua defensivo. Piragibe Tarrago, principal negociador brasileiro para Nama (produtos industriais e de consumo) disse que a indústria quer que o país obtenha fórmula com coeficiente 60. Pelos cálculos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), isso significa cortar de 35% para 20%, quando a alíquota média realmente aplicada no país já é menos de 12%. O Conselho Empresarial Brasileiro (CEB) avisou ao governo que "poderia aceitar" corte mais alto, dependendo dos ganhos na agricultura. O fato é que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, senta na mesa numa posição delicada. Ele chegou a dizer a Mandelson e Portman, na última reunião do G-4 em Londres, em julho, que o Brasil aceitaria cortar de 35% para 10% a tarifa máxima, sob certas condições. Só que desde então veio a público a proposta idêntica do Ministério da Fazenda, com a negativa da indústria. Uma proposta do Paquistão voltará a ser examinada em Paris. O país tenta um meio termo entre a fórmula ambiciosa dos EUA e a mais protecionista de Argentina, Brasil e Índia. Por ela, o corte na área industrial seria feito através de dois coeficientes com base na média tarifária dos países. Menor para as nações desenvolvidas, maior para os ricos. Antes de partir a Paris, o negociador americano Rob Portman colocou pressão sobre o Brasil e Índia para fazerem amplas concessões no setor de serviços (bancos, seguradoras etc). O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, pediu para se encontrar hoje com Amorim em Paris. Amorim terá bilaterais também com Mandelson e Portman. A reunião formal do G-4 será amanhã cedo na embaixada brasileira. Mas só vai durar pela manhã. Daí a importância das bilaterais, que é onde realmente os esboços começam a ser delineados. "A crise já existe na negociação agrícola. O que pode acontecer em Paris é o G-4 admitir que há uma crise aberta", diz um alto funcionário.