Título: Hostilidades marcam sessão de renúncia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2005, Política, p. A7

Severino Cavalcanti deixou a presidência da Câmara e renunciou ao mandato ontem sob o mesmo sentimento que predominava no dia de sua eleição: perplexidade. Mal o deputado pernambucano acabara de ler o termo de renúncia ao mandato, uma voz feminina ecoou das galerias da Casa e calou, por alguns segundos, o plenário: "Vai embora Severino; vai pra casa". O deputado Roberto Brant (PFL-MG), um dos que integram a lista de "cassáveis", pronunciou um palavrão. Ao seu lado, Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) franziu o cenho. O plenário antecipava o clima inóspito que deve enfrentar nas ruas nas eleições de outubro de 2006. Depois do átimo de hesitação, enquanto Severino Cavalcanti saía, o deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL) assumiu a presidência vaga, suspendeu a sessão e pediu que a segurança evacuasse a galeria. Foi a senha para a violência contra os universitários que, como o plenário, ouviram em silêncio o discurso de despedida de Severino. "Essa Casa é do povo", gritavam os estudantes enquanto tentavam escapar da pancadaria da segurança. "Nem mensalinho, nem mensalão; queremos mais para a saúde e a educação", dizia o coro dos estudantes. Os parlamentares assistiam às cenas quase paralisados. No cafezinho, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que há duas semanas desencadeou o processo que acabaria ontem com a renúncia do deputado pernambucano ao dizer que ele era um "desastre" para a imagem da Câmara, resumia um epitáfio: "A justiça está avançando, mas este processo ainda não está concluído". "Virou-se a página, mas a crise não se esgota com a última punição, nem com a cassação, nem com a renúncia. O Brasil precisa aprimorar a ética e a transparência. A única maneira de fazer isso é com a reforma política", defendeu o presidente do Senado, Renan Calheiros. Nos últimos dias, Calheiros tem discutido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma forma de acelerar a reforma política. A Câmara deu a largada para desobstruir a pauta e começou a votar as medidas provisórias um dia antes da renúncia de Severino. Calheiros anunciou ontem que convidará o presidente interino da Câmara, Nonô, e os líderes partidários para uma ampla discussão sobre a melhor maneira de concluir a votação de pelo menos parte das reformas político-eleitoral. Nonô também marcou para hoje uma reunião de líderes. "Essa Casa só pode dar um melhor exemplo trabalhando, apesar da alta temperatura emocional", disse o presidente interino. O próprio Severino, no discurso de despedida, disse que optou pela renúncia para não prejudicar o andamento das votações. "Sou um homem que sacrificou sua posição para que essa Câmara volte a funcionar, para que a Casa não fique parada. Sei que se eu não saísse a pauta ficaria atravancada. Entre a Casa e o meu sacrifício, preferi ficar com a Casa", alegou. Severino teve um final melancólico após permanecer na presidência por pouco mais de sete meses. Exerceu até o último segundo um comportamento típico dos políticos corporativistas, cuja lógica está voltada para as pequenas benesses individuais. Mandou retirar os jornalistas do cafezinho da Câmara até que ele passasse em direção ao plenário. Isolou e reservou todas as cadeiras laterais ao plenário, normalmente utilizadas pela imprensa, para seus familiares e amigos. Como já era esperado, tentou se mostrar como uma vítima do preconceito por ser um representante do "baixo clero". Disse que foi eleito para mudar "uma Casa cheia de donos". Esses "donos do Congresso" - uma elitizinha, adjetivou ele - sempre se manteve totalmente distanciada do "baixo clero". "A elitizinha, essa que não quer largar o osso, insuflou contra mim seus cães de guerra, arregimentou forças na academia e na mídia, e alimentou na opinião pública a versão caluniosa de um empresário que precisava da mentira para encobrir as dívidas crescentes de seus restaurantes, que necessitava de extorsão para equilibrar a desastrosa administração de suas empresas", afirmou. O empresário ao qual ele se referiu é Sebastião Buani, que afirmou ter pago a Severino uma espécie de "mensalinho" para poder manter seus negócios funcionando na Câmara. No total, teriam sido R$ 130 mil. O deputado pernambucano renunciou afirmando categoricamente que disputará novamente a eleição em 2006. E está certo de que volta vitorioso, consagrado na cidade natal de João Alfredo (PE), apesar de os indícios de atos de corrupção cometidos por ele ganharem mais consistência a cada dia. Severino disse que deixa a Câmara mais pobre e endividado. Garante que sua vitória mudou o perfil da Casa e propiciou um Legislativo descolado do governo. Previu, de certa forma, a forte disputa de poder em torno da escolha do novo presidente da Câmara: "A luta pela sucessão tornou-se mais importante que as provas da inocência". Enquanto a "elitizinha" briga pela sucessão, Severino se contenta, por enquanto, com a aposentadoria que receberá como ex-deputado estadual. Um conforto para o político que ficará na história como o ícone do baixo clero. (MLD e RC)