Título: Dantas acusa ingerência estatal em fundos
Autor: Cristiano Romero e Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2005, Especial, p. A12

Crise Banqueiro do Opportunity diz que interferência começou no governo FHC e aprofundou-se na gestão Lula

O governo interferiu politicamente na disputa empresarial envolvendo fundos de pensão de empresas estatais, o Citigroup, a Telecom Itália e o grupo Opportunity, em torno do controle acionário da Brasil Telecom (BrT) A interferência começou em 2000, ainda, portanto, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas se intensificou no governo Lula. As intervenções teriam causado prejuízos à BrT e aos fundos. As afirmações foram feitas ontem pelo banqueiro Daniel Dantas, em longo depoimento às CPIs dos Correios e do Mensalão. Dantas, que comanda o grupo Opportunity, citou seis exemplos de interferência política nas disputas que travou, nos últimos cinco anos, com os outros acionistas da BrT. Nesses embates, disse, a Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil) e os outros fundos (Petros e Funcef) atuaram para transferir, do Opportunity para seus adversários, a gestão da operadora. "Desde que os investimentos foram feitos, tem havido interferência política com outros objetivos", afirmou Dantas. "Sempre houve tentativa dos fundos em transferir o controle para outro investidor. Primeiro, foi para os canadenses (da TIW, empresa que já foi acionista da BrT), depois para os italianos (da Telecom Itália) e, mais recentemente, para a Telemar." O primeiro exemplo de interferência política teria ocorrido, segundo Dantas, na compra da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) pela BrT. A CRT pertencia à Telefônica, mas, por força da lei, teria que ser vendida à BrT ou a outro investidor. Na avaliação de Dantas, como só a BrT tinha capacidade financeira para comprar a CRT e a Telefônica estava obrigada a vendê-la, as condições do negócio eram favoráveis. Inicialmente, a Telefônica teria pedido US$ 730 milhões pela CRT. Gestor das participações tanto dos fundos de pensão (pelo CVC nacional) quanto do Citi (CVC estrangeiro) na BrT, o Opportunity considerou o preço elevado. Dantas contou que ficou surpreso quando a Telecom Itália informou que havia fechado um acordo com a Telefônica, concordando em pagar US$ 850 milhões pela CRT. Segundo o banqueiro, os fundos de pensão concordaram com a oferta dos italianos. "Fomos pressionados pelo Ministério das Comunicações (naquela ocasião, chefiado pelo tucano Pimenta da Veiga)", disse Dantas às CPIs. Durante reunião de negociação com a Telefônica e a Telecom Itália, revelou Dantas, os italianos teriam afirmado que autorizavam o pagamento de US$ 850 milhões. Nesse momento, contou Dantas, os fundos de pensão, pressionados pelo então presidente da Previ, Luiz Tarqüínio Ferro, e pelo diretor de participações, Sérgio Rosa, teriam exigido que o Opportunity deixasse a mesa de negociação. "A CRT acabou sendo comprada por US$ 800 milhões, quando o preço justo teria sido algo entre US$ 550 milhões e US$ 600 milhões. Mostramos que estava tendo um prejuízo para a BrT e para os fundos de pensão. Os fundos alegaram que aquela compra era importante do ponto de vista estratégico", relatou Dantas. Segundo ele, o então diretor de seguridade da Previ, Henrique Pizzolato, fez relatório contando que teria sido pressionado pelo ex-presidente do Banco do Brasil e do BNDES, Andrea Calabi, a fechar o negócio. Dantas contou que, quando esteve com o ministro da Casa Civil, José Dirceu, já no governo Lula, entregou cópia do relatório a ele. Procurado pelo Valor, Calabi não quis comentar o assunto. O episódio seguinte de interferência governamental na BrT, segundo Dantas, teria ocorrido quando, aproveitando-se da ausência de um conselheiro na reunião do Conselho de Administração da BrT, os fundos de pensão tentaram indicar Andrea Calabi para a presidência da companhia. A manobra não deu certo. Mais adiante, a Previ indicou Calabi para representá-la no conselho da Embraer. A desconfiança do banqueiro era que o governo Fernando Henrique e depois seu sucessor queriam entregar o controle da BrT à Telecom Itália. Dantas relatou encontro que teve com o presidente da Olivetti, Roberto Colarini, que tinha acabado de assumir o controle da Telecom Italia. Na reunião, ocorrida em novembro de 1999, no hotel Copacabana Palace, no Rio, Colarini teria dito que o Opportunity não tinha como foco a gestão de empresas de telefonia, mas de atividades financeiras. Colarini teria dito que queria o controle da BrT e assegurado que o governo, sob FHC, o apoiava. O lance seguinte de suposta interferência política do governo na BrT aconteceu no início do governo Lula. Dantas contou que, numa reunião, em 2003, com o então presidente do BB, Cássio Casseb, ouviu dele que o Opportunity deveria abrir mãos de todos os seus direitos na BrT. De acordo com o banqueiro, Casseb, que tinha sido conselheiro da Telecom Itália, teria dito que aquela era uma "posição de governo". Dantas não concordou com a exigência. "Falei com o Citi, que mandou carta ao BB. A partir daí, houve hostilidades decorrentes dessa negativa", comentou Dantas. Procurado pelo Valor, Casseb não foi encontrado para comentar as declarações. O banqueiro afirmou também que foi informado que o ex-ministro da Secretaria de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken, também interferiu nos fundos de pensão. "Gushiken foi pessoalmente à Anatel (discutir caso relacionado à gestão do Opportunity na BrT)", disse ele. Daniel Dantas mencionou que, nas negociações em torno da possível compra da Embratel pelas três operadoras de telefonia fixa do país, Arthur Carvalho, seu sócio no Opportunity, participou de reuniões com Gushiken no Palácio do Planalto, o que comprova, segundo ele, a influência do ex-ministro. Os dois casos restantes envolvem o Citigroup. O banco americano era associado de Daniel Dantas no Brasil desde 1996. O banqueiro contou que, entre maio e setembro do ano passado, negociou a venda da Telemig para a Vivo, a operadora celular da Portugal Telecom. A venda foi suspensa depois que o Citi, alegando resistência dos fundos, desautorizou o Opportunity a levá-la adiante. No momento seguinte, o Citi fechou acordo com os fundos de pensão, destituindo em seguida o Opportunity da gestão de seu investimento na BrT. Isso aconteceu em março deste ano. Três meses antes, sustentou Dantas, o Citi teria informado que o acordo teria sido aprovado "pela autoridade brasileira de maior nível". Dantas disse que não sabe quem é essa autoridade, mas insinuou que pode ter sido o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, uma vez que o acordo teria sido fechado pouco depois de uma reunião do Citi com o ministro, em Brasília. (Colaborou César Felício, de São Paulo)