Título: Microcrédito precisa de mais recursos e de menos limites, afirma a Abcred
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2005, Finanças, p. C2

O presidente da Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Microcrédito (Abcred), José Caetano Lavorato Alves, criticou ontem o excesso de regulamentação que o governo impõe ao setor. "Os tecnocratas inventam regras e esperam que a realidade se adapte a estas regras, e não o contrário", disse Lavorato, que abriu o painel "Microcrédito: Os Desafios do Crescimento no Brasil", realizado durante o C4 Congresso de Cartões e Crédito ao Consumidor. Ele se referia às diversas restrições impostas ao repasse de recursos públicos e privados às instituições de microcrédito. A mudança mais recente de regras foi uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), do final de agosto, para ajustar o Programa Nacional de Microcrédito Orientado Produtivo (PNMPO) com recursos das exigibilidades bancárias. Desde 2003, os bancos são obrigados a destinar 2% do recolhimento obrigatório ao Banco Central sobre os depósitos à vista para operações de microcrédito. No repasse desses recursos os bancos tinham vários limites, entre eles um teto de R$ 5 mil por tomador e taxa de juros máxima de 2% ao mês. Na última reunião do CMN foi autorizada uma elevação do teto dos empréstimos para R$ 10 mil e autorizada a elevação da taxa de juros para 4% ao mês. Até junho último, os bancos tinham emprestado R$ 1,092 bilhão de um total de R$ 1,4 bilhão recolhidos como exigibilidade. A maior parte dos empréstimos foi para consumo e não para empreendimentos, o que também tem gerado críticas das organizações. Há ainda restrições ao repasse de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Uma delas é que o BNDES só empresta para instituições que pleiteiam no mínimo R$ 1 milhão, quantia muito superior às necessidades das organizações em que a média de empréstimos não chega nem a R$ 2 mil. Lavorato disse que o PNMPO "é um bom programa", mas que o setor precisa de "mais liberdade". Segundo ele, a imposição de limites não tem ajudado a retirar os obstáculos ao crescimento do microcrédito no Brasil. No caso dos recursos bancários, a maior dificuldade é convencer os bancos a repassarem o dinheiro das exigibilidades para organizações especializadas. "Não existe um modelo de aporte desses recursos e os bancos têm dificuldade para analisar o risco", afirmou. A Abcred está trabalhando em conjunto com o Banco Popular do Brasil (BPB, braço do Banco do Brasil para microcrédito) para encontrar um formato de avaliação de risco específico para o setor, mas os estudos não estão concluídos, acrescentou Lavorato. Os especialistas Bettina Wittlinger, da ONG Acción Internacional e Manuel Thedin, do Fórum Nacional de Microfinanças, que participaram do debate no C4, defenderam que o governo flexibilize limites de taxas de juros e normas de funcionamento e aproveite a experiência das ONGs que já estão há anos na "estrada" para fazer chegar o dinheiro aos tomadores finais. Segundo Thedin, do mercado potencial - os cerca de 20 milhões de pessoas identificadas pelo IBGE como microempreendedores que atuam na informalidade - nem 2% chegam a ser atendidos pelos programas de microcrédito oficiais e extra-oficiais. Essa estatística não mudou em três anos, apesar de o microcrédito ter sido colocado como uma das prioridades do governo federal e ter sido alvo de revisões legais e pacotes de incentivo. Para Thedin, a limitação de taxas de juros não faz sentido para a operação de microcrédito que é mais cara do que o crédito bancário tradicional, por exigir a contratação de agentes - profissionais que fazem o contato com os tomadores e acompanham o andamento dos projetos e o pagamento das prestações. Além disso, os microempreendedores não são sensíveis ao custo mas às condições de pagamento dos empréstimos. "A margem de lucro de uma biboca na favela suporta juros mais altos. O microempreendedor ganha na escala e não na venda unitária", explicou. Bettina Wittlinger, da Acción, disse que outro grande desafio para expansão do microcrédito no Brasil é a "alta concorrência dos setores financeiros e não-financeiros (redes de varejo que financiam compras)" e de características muito específicas do país como a disseminação do uso de cheques pré-datados como forma de financiamento. "Nunca vi isso em nenhum país", afirmou a especialista, que dá consultoria a ONGs e governos da América Latina para implantação de projetos de microcrédito.