Título: Sucessão de Severino é prévia de 2006
Autor: Raymundo Costa e Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2005, Política, p. A6

Crise Presidente da Câmara deve renunciar hoje com o discurso de que é vítima de preconceito contra o baixo clero

A sucessão do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que deve renunciar hoje com um discurso de que é vítima do preconceito contra o baixo clero, está sendo conduzida pelos partidos tendo como pano de fundo a sucessão presidencial de 2006. PSDB e PFL, prováveis aliados na próxima eleição, saíram na frente e articulam a candidatura do pefelista José Thomaz Nonô (AL), mas o PMDB e o próprio governo ainda não desistiram de tentar patrocinar uma candidatura vitoriosa. O cenário que se desenhava ontem era o de confronto, muito embora o discurso comum dos líderes é o de que a Câmara precisa de um candidato de consenso que leve o Legislativo a tentar recuperar o desgaste de imagem acentuado pela crise política. O tempo para as articulações é curto. Se Severino renunciar hoje, a eleição para a presidência terá que ocorrer até quinta-feira próxima. "Partido existe para procurar o poder. É óbvio que respeitamos as tradições, mas, se houver desacerto, paciência", definiu o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB). Para medir forças, o PMDB trabalha a candidatura do deputado Michel Temer (SP). A possibilidade de o partido passar a controlar todo o Congresso - pois já tem a presidência do Senado, com Renan Calheiros -, o Judiciário - Nélson Jobim preside o Supremo Tribunal Federal -, e fatia expressiva do Executivo - caso o vice-presidente José Alencar migre para a legenda - já assusta o núcleo petista, além do PSDB e do PFL. Diante da rejeição a uma candidatura do PT e da necessidade de reagir à aliança das oposições, a base aliada do governo já articula um nome que possa unir PT, PP, PL, PTB e pelo menos parte do PMDB. Uma alternativa que surgiu ontem à noite é o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), corregedor-geral da Câmara, e uma espécie de "filho adotivo" de Severino Cavalcanti. O nome enfrentará, contudo, resistências por ser do PP - partido envolvido no suposto esquema do mensalão - e uma espécie de continuidade da gestão de Severino Cavalcanti. Outro complicador é que dificilmente a esquerda apoiaria outro nome do PP. Dirigentes do PSDB e PFL reuniram-se ontem para conversar sobre a candidatura comum. Segundo o líder do PSDB na Câmara, deputado Alberto Goldman (SP), a união das duas siglas é uma conseqüência natural diante da perspectiva de um projeto comum de poder para 2006. A aliança na Câmara tem o aval do prefeito de São Paulo, José Serra, um dos prováveis candidatos tucanos à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que participou da reunião, também apóia a alternativa Nonô. "Nem governo nem oposição ganham sozinhos", disse o líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA). Por isso, depois de definir a candidatura comum, PSDB e PFL tentarão atrair o apoio formal de PPS, PDT e PV, além de buscar votos no PMDB, caso uma negociação formal com a sigla não prospere. Para viabilizar a candidatura oposicionista, tucanos e pefelistas trabalham com a hipótese de oferecer a primeira-vice presidência, hoje ocupada pelo próprio Nonô, tanto ao PMDB como ao PT. Apesar de as duas possibilidades terem sido cogitadas ontem, nas primeiras rodadas de negociações partidárias circulou uma lista com aproximadamente 15 candidatos. A avaliação, especialmente na base aliada, é que o PT insiste na repetição de equívocos que cometeu na eleição em que Severino Cavalcanti saiu vitorioso. "Nós, como essa lentidão habitual, perdemos o momento de negociar. Tudo caminha para um grande confronto no plenário. E o PT sai para essa disputa sem nenhuma articulação ", definiu um petista. O PT deu largada ao jogo sucessório com quatro nomes no páreo: José Eduardo Cardozo (SP), Sigmaringa Seixas (DF), Paulo Delgado (MG) e Arlindo Chinaglia (SP). Petistas admitiram ao Valor que o clima na bancada ainda é de desconfiança, e que as negociações não avançaram. Os quatro pré-candidatos foram autorizados ontem pela bancada a começar uma sondagem na base aliada para verificar a viabilidade de suas candidaturas. A receptividade a um nome do PT é mínima. O partido perdeu a chance de costurar um acordo sucessório com a oposição ao ter se recusado a representar contra Severino Cavalcanti no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, avaliam tucanos e pefelistas. "Se o PT não sair desse processo como protagonista, vai à reboque. Começam o processo já com quatro pré-candidatos correndo por fora", reclamou um líder da base. Quando perdeu para Severino, o PT entrou na disputa com dois candidatos - Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgílio Guimarães (MG). Aliás, o grupo Câmara Forte, que apoiou Virgílio em fevereiro, pensou em relançar seu nome, mas recuou diante das ligações do petista com o empresário Marcos Valério de Souza. O grupo, no entanto, avalia que pode influir na sucessão com pelo menos metade dos 117 votos que Virgílio teve na eleição. A aliança da oposição em torno de Nonô pode facilitar a unidade da base aliada, apostam alguns parlamentares. O vice-líder do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS), também já se apresenta como uma alternativa. O PSB fechou questão ontem e vai lançar candidato próprio para não ficar à reboque do PT. Albuquerque enviou aos 512 deputados da Casa uma carta alertando que os parlamentares precisam se conscientizar "da grave crise ética que vivemos". "Não é hora, portanto, de colocar o interesse de partidos acima dos interesses nacionais. Não é hora de travar um debate simplista entre governo e oposição. Não é hora de impor vetos a nomes ou partidos", alega o gaúcho. "Se todo mundo lançar candidato, o PSB fará o mesmo", pondera um dirigente partidário. Do lado de lá, Nonô articula sua candidatura por meio de conversas freqüentes com parlamentares da base e também com o ministro de Relações Institucionais, Jacques Wagner. O PFL fez a seguinte proposta ao governo: nenhum dos dois lados entra na disputa sucessória vetando nomes. Reservadamente, alguns oposicionistas admitem que há resistências ao nome de Nonô, sobretudo porque ele teria ocupado o cargo de líder da minoria e ter batido muito no governo. Para aliados do pefelista, essa tese não tem fundamento, uma vez que ao assumir a vice-presidência ele declarou que não defenderia interesses da oposição no cargo.