Título: Indústria de semicondutores patina no país
Autor: Ricardo Cesar e João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2005, Empresas &, p. B3

Componentes Apesar do apoio declarado do governo, para companhias o país ainda tem pequeno poder de atração

Nos últimos cinco anos, a rotina era a mesma: passado pouco das 7 horas, José - nome fictício - chegava no ônibus fretado da Itautec à fábrica de semicondutores da empresa, localizada no distrito industrial de Jundiaí, interior de São Paulo. Operador de equipamentos, José trabalhava das 7h30 às 15h30, com almoço. Voltava também na condução da companhia, que o deixava a 20 minutos de casa. Fazia o trecho final a pé. Gostava da rotina. Há poucos dias, ela acabou. José saiu quando foi comunicado que a Itautec abandonaria boa parte dos negócios da fábrica de Jundiaí, incluindo a montagem de placas de circuito impresso e duas das três etapas da produção de semicondutores. Arrumou outro emprego e aderiu à demissão voluntária. Mas preocupa-se com os colegas que ainda estão lá, à espera da definição dos cortes, embora a empresa tenha concordado em estender o plano de saúde por seis meses e ajudar na recolocação de quem for demitido. Em parte, a vida dessas pessoas vai mudar devido à política de seguidos governos - ou à falta de uma. O setor de semicondutores, que depende de incentivos em toda a parte do mundo, foi abandonado após a abertura de mercado promovida pelo governo Fernando Collor de Mello, em 1990, e nunca mais se recuperou. Difícil imaginar uma época pior para isso ocorrer. Ao longo da década que se seguiu, a demanda por computadores pessoais explodiu, puxando o mercado de semicondutores. Países asiáticos, com destaque para Taiwan, Coréia, Japão e, depois, China, firmaram-se como os grandes fornecedores mundiais. Nessa fase em que o silício, matéria-prima empregada na fabricação dos chips, valeu ouro para quem soube aproveitar a oportunidade, o Brasil ficou parado. Ultrapassadas, as operações nacionais não suportaram a competição externa. A produção local despencou e foi substituída por importações. No final dos anos 80, havia cerca de 20 empresas de semicondutores no Brasil. Hoje, há quatro: Aegis, Smart, Semikron e o que restou da Itautec. O movimento da empresa da holding Itaúsa é apenas o mais recente dentre muitas companhias que chegaram a produzir semicondutores no Brasil acabaram desistindo do negócio. É o caso da NEC. A corporação japonesa montou uma fábrica de memórias no país em 1998, mas quatro anos depois vendeu as instalações para a americana Solectron, focada em manufatura sob encomenda. A retirada da NEC deveu-se a dois fatores básicos, explica Herberto Yamamuru, diretor da empresa. Em âmbito internacional, o grupo decidiu concentrar as operações de semicondutores. Foram fechadas quatro das sete fábricas que a companhia possuía. Isso não quer dizer que fatores internos não tenham concorrido para a saída da NEC do setor. O Brasil perdeu a competitividade na produção de semicondutores frente a outros pólos, afirma Yamamuru, e isso não se refere apenas à Ásia: "Mesmo na região, países como Porto Rico e República Dominicana ganharam a dianteira na escala de prioridades dos grandes fabricantes". Para desalento do governo, a saída parcial da Itautec desse negócio ocorre justamente quando o setor é contemplado na política industrial do país, uma medida adotada há um ano e meio para reverter a situação descrita por Yamamuru. A notícia deixou uma questão no ar: desenvolver a indústria de semicondutores ainda é uma alternativa viável para o Brasil? Não falta quem considere que a "janela de oportunidade" para investir nesse setor já se fechou. Criar uma indústria de semicondutores agora demandaria um volume de investimentos muito alto, sem nenhuma garantia de sucesso. Este é o argumento que Craig Barrett, presidente do conselho da Intel, maior fabricante mundial de processadores, utilizou esta semana, durante evento em São Paulo, para justificar o fato de a empresa ter descartado a possibilidade de construir uma fábrica no Brasil. "Os países da América Latina estão em desvantagem em relação às nações asiáticas, que são muito agressivas na concessão de benefícios", disse. "O Brasil pode criar valor com a inteligência de seus jovens que desenvolvem novas tecnologias - isso vai gerar mais oportunidades do que competir com a China por unidades de manufatura." Gustavo Arenas, vice-presidente para as Américas da concorrente AMD, adota um discurso mais ameno. O executivo diz que no futuro o Brasil até pode ser uma opção, mas destaca que não há planos em curto ou médio prazo. "É uma decisão muito complexa. Uma estrutura dessas pode custar até US$ 5 bilhões. Não é um investimento que decidimos do dia para a noite." Descartada a possibilidade de sediar fábricas de grandes produtores mundiais, o governo brasileiro joga com a esperança de desenvolver esse setor aproveitando novas tendências. Componentes para celulares e aparelhos móveis e, sobretudo, para a TV digital, são exemplos de áreas em que o país poderia se focar. "Não abrigaremos em curto ou médio prazo grandes fábricas de processadores ou memórias", diz Edmundo Machado de Oliveira, gerente-geral da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). "Mas temos a possibilidade de desenvolver novos nichos do mercado de semicondutores. As coisas mudam muito nessa área. Dizer que o país perdeu o bonde é besteira." Independente de quem tenha razão, os poucos empresários da área aproveitam a saída da Itautec para engrossar as críticas. "O governo reconheceu que o setor é estratégico, mas só isso. Nada de concreto aconteceu desde que a política industrial foi anunciada, há um ano e meio", afirma Wanderley Marzano, presidente da Aegis Semicondutores e diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Para balancear a saída da Itautec, o governo tem algumas notícias mais alentadoras para celebrar (ver reportagem ao lado). Mas que ninguém se engane: mesmo no cenário mais otimista, o caminho é árduo. "Hoje o setor de semicondutores é irrisório no país e não tem chances de se tornar significativo em médio prazo", admite Oliveira. "Mas temos que investir. Essa área é a base da industrialização moderna."