Título: Regulação está longe do consenso
Autor: Paulo Henrique de Sousa
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2005, Empresas &, p. B8
A tentativa do governo presidente Luís Inácio Lula da Silva de aprovar uma regulação para o setor de saneamento e viabilizar os investimentos necessários até agora não teve apoio político suficiente. O número de emendas apresentadas ao projeto de lei 5296/05, que define a política nacional de saneamento, ilustra o grau de "consenso" que o governo diz haver em torno dele: 862. Como está hoje, a proposta do governo divide as associações que representam os principais segmentos do setor. De um lado está a Assemae (associação das concessionárias municipais), francamente favorável ao projeto como ele está. De outro, a Aesbe (associação das empresas estaduais). E há ainda um terceiro grupo de interesses formado pela Abcon e Abdib, que representam o capital privado. O vice-presidente da Abdib, Newton Azevedo, classifica a proposta do governo como "municipalista e estatizante". Para ele, "sobra ideologia e falta pragmatismo". A entidade defende um "choque de gestão" vinculando a liberação de recursos públicos ao desempenho das companhias, principalmente a redução do desperdício. Azevedo avalia que o projeto é tímido em relação à cobrança por desempenho. Do que Azevedo propõe, o presidente da Aesbe reclama. Vitor Bertini classificou de "requinte de perversidade" o dispositivo que obriga os municípios a apresentar ao Ministério das Cidades um plano diretor. Para Bertini, o maior pecado do projeto do governo é não respeitar as diferenças regionais. A política do setor deveria, na visão dele, dar apenas as diretrizes de expansão dos serviços, deixando aos estados o detalhamento da política. O ex-ministro Olívio Dutra atribui a oposição de Bertini à uma disputa política regional - são adversários no Rio Grande do Sul, onde Bertini preside a companhia estadual de saneamento. Os grupos privados propõem um punhado de alterações. A primeira seria incluir um artigo definindo os municípios como titulares dos serviços de saneamento, mas concedendo aos estados o direito de legislar sobre as regiões metropolitanas. Abcon e Abdib também não aceitam que as decisões sobre tarifas sejam submetidas aos Conselhos das Cidades, que seriam formados por moradores. Mas Olívio Dutra rebate que os conselhos têm apenas papel consultivo. A Abcon também quer benefícios tributários concedidos a outros setores (como a redução da tributação de PIS e Cofins). A aplicação ao setor de saneamento de mecanismos previstos na Lei das Parcerias Público-Privadas (PPP) também é uma reivindicação do setor privado. O presidente da Abcon, Mario Amaro da Silveira, citou, por exemplo, a possibilidade de o agente financiador dos projetos assumi-los em caso de falência da empresa titular; a aplicação do modelo de "project finance" (no qual as receitas futuras serviriam como garantias do negócio); a inversão das fases da licitação (primeiro a abertura das propostas e avaliação da vencedora e só depois a checagem da qualificação da empresa); e a arbitragem dos conflitos. Além da proposta do governo, tramita também um substitutivo mais sucinto, que tem o apoio das empresas estaduais. (PHS)