Título: Geração de emprego, redução salarial e rotatividade
Autor: João Saboia
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2005, Opinião, p. A10

Dados do Caged mostram que empregados admitidos recebem bem menos que os demitidos

A geração de empregos em número suficiente para dar conta da massa de trabalhadores que surgem a cada ano é um verdadeiro desafio para as autoridades do país. O atual governo certamente exagerou ao prometer a criação de dez milhões de empregos para o período 2002/2006, cifra essa que, se fosse cumprida, daria conta não apenas de absorver os novos trabalhadores como também boa parte do estoque de desempregados. Analisando-se os empregos gerados no setor formal (com carteira assinada) no último qüinqüênio, nota-se que o resultado mais favorável no mercado de trabalho foi obtido em 2004, quando a economia apresentou seu melhor comportamento. Dos 4,2 milhões de empregos formais criados no período, 36% ocorreram em 2004. Nos dois primeiros anos do governo Lula, o total não chegou a 2,2 milhões, ou seja, menos que a média anual necessária para cumprir a promessa do período de campanha eleitoral. O setor de serviços é o que mais abriu vagas formais no último qüinqüênio. Seguem-se comércio e a indústria de transformação. Alguns setores da indústria de transformação apresentaram boa capacidade de geração de empregos no período, como alimento e bebidas, têxtil, vestuário, calçados, metalúrgica, química e produtos farmacêuticos. O único setor que não conseguiu criar empregos nos últimos cinco anos foi a indústria da construção, que sabidamente tem enfrentado grandes dificuldades. O processo de criação de empregos no Brasil, entretanto, esconde um mecanismo perverso de rebaixamento salarial. Segundo os dados do Caged/MTE, os empregos formais gerados são obtidos pelo saldo líquido entre admitidos e desligados. Pode-se, portanto, comparar os dados dos empregados admitidos com o dos desligados e verificar o perfil dos dois grupos. Ao serem comparados seus níveis de rendimento, nota-se, imediatamente, que os empregados admitidos recebem bem menos que os demitidos. Tal resultado é, até certo ponto, esperado, uma vez que usualmente os trabalhadores desligados encontram-se na empresa há algum tempo, sendo em geral mais experientes que os admitidos. Além disso, entre os desligados, há alguns trabalhadores que estão se aposentando e, portanto, no final de sua carreira profissional. De qualquer forma, a possibilidade das empresas estarem praticando a rotatividade com a intenção de reduzir o custo da mão-de-obra é um fato notório no Brasil, especialmente em períodos de dificuldades econômicas como o atual. Ilustrando-se com os dados da indústria de 2004, nota-se que a remuneração média dos admitidos era de 85,4% dos desligados. Há diferenças importantes entre os quatro grandes segmentos industriais - 89,5% na extrativa mineral, 84,2% na transformação, 78,8% nos serviços industriais de utilidade pública e 88,6% na construção. Ao se desagregar a indústria de transformação, os valores variam entre 73,8% na indústria de material de transporte e 88,6% na indústria de madeira e mobiliário.

Setor de serviços é o que mais abriu vagas formais nos últimos cinco anos, seguido do comércio e da indústria

Em geral, as maiores perdas para os trabalhadores resultantes do processo de rotatividade da mão-de-obra ocorrem nos segmentos onde os níveis salariais são os mais elevados, representando uma grande economia de gastos com a folha de pagamento para as empresas beneficiadas. Em setores como a construção civil, onde a rotatividade é tradicionalmente elevada e os salários são relativamente baixos, as possibilidades de reduções salariais com o processo de rotatividade da mão-de-obra são mais limitadas. Tal resultado mostra que os setores que pagam maiores salários se beneficiam relativamente mais do que os setores que remuneram mal seus trabalhadores com a rotatividade da mão-de-obra, obtendo maiores percentuais de redução nos salários de seus empregados. Uma questão que tem sido bastante discutida é a maior capacidade de geração de empregos no interior que nas capitais e regiões metropolitanas do país. O Caged confirma este tipo de informação. Mais uma vez, tomando os dados da indústria como ilustração, verifica-se que de cada quatro empregos formais gerados no último qüinqüênio três são encontrados no interior do país. A regra geral de se admitir empregados com remunerações menores que aquelas pagas aos trabalhadores desligados é um resultado generalizado tanto nas capitais quanto no interior do país. As remunerações dos novos empregados são sistematicamente menores, sendo as diferenças entre admitidos e desligados ligeiramente menores no interior que nas capitais. Em 2004, os admitidos na indústria nas capitais recebiam 84,3% da remuneração dos desligados. No interior, 86,5%. Com relação ao nível das remunerações médias pagas aos trabalhadores admitidos e aos desligados, a prática generalizada é o pagamento de maiores remunerações nas capitais que no interior do país para os dois tipos de trabalhadores. Em 2004, por exemplo, enquanto os admitidos na indústria nas capitais ganhavam em média 2,3 salários mínimos (SM), os desligados recebiam 2,7 SM. No interior, a média não passava de 1,9 SM entre os admitidos e 2,2 SM entre os desligados. Tais dados certamente representam um incentivo para a destruição de empregos nas capitais e geração no interior do país. Afinal de contas, trocar um trabalhador que ganhe 2,7 SM por outro que receba 1,9 SM significa uma redução de 30% nos gastos com salários para as empresas. Em resumo, além das dificuldades gerais enfrentadas para encontrar empregos em quantidade suficiente, os trabalhadores do setor formal da economia enfrentam um problema adicional representado pelo intenso processo de rotatividade da mão-de-obra, juntamente com o rebaixamento salarial a ele associado. As dificuldades são ainda maiores para os trabalhadores das capitais que vêem seus empregos desaparecerem e se deslocarem para o interior do país.