Título: Falência deve confirmar calote
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2005, Especial, p. A12

Banco Santos Edemar Cid Ferreira deve responder ação criminal pela antiga Lei de Falências

A falência do Banco Santos, decretada ontem pela Justiça paulista já enquadrada na nova Lei de Falências, pouco ajudará, na prática, os cerca de 1.500 credores que amargam prejuízos da ordem de R$ 2,9 bilhões. Na visão otimista do administrador judicial nomeado e atual liquidante da instituição, Vânio Aguiar, no máximo 10% do passivo serão recuperados para honrar as dívidas do banco. O ex-controlador da instituição, Edemar Cid Ferreira, também pouco poderá ser prejudicado pela decisão, já que terá o direito de responder um possível processo criminal dentro das regras mais brandas da lei antiga e não pelas penas severas da nova lei. De qualquer forma, a decretação da falência foi comemorada pelos credores e criticada pelos advogados do ex-controlador, que vão recorrer da decisão da Justiça. O presidente da Real Grandeza, fundo de pensão dos funcionários de Furnas, Sérgio Wilson Ferraz, diz que a decretação da falência melhora a perspectiva do fundo. Todos os R$ 150 milhões em prejuízos, equivalente a 3% do patrimônio total do fundo, foram provisionados. Ferraz, que assumiu há menos de um mês a presidência do fundo, diz que acreditava que nada iria ser recuperado, e portanto tudo o que abater o prejuízo será lucro. O diretor de reestruturação de empresas da KPMG responsável pelo comitê de credores liderado pela empresa, Salvatore Milanese, diz que a boa notícia é que a partir de agora será possível conhecer a real situação do Banco Santos e determinar os prejuízos exatos. Além disso, a nomeação de Vânio Aguiar foi bem recebida porque os credores acreditam que terão uma boa comunicação. A nomeação do atual liquidante para ser o administrador judicial foi justamente a maior surpresa para o advogado Ricardo Tepedino, que defende Edemar. Isso porque o advogado contesta o relatório feito por Vânio Aguiar, que diz que os ativos do banco podem cobrir cerca de 12% dos passivos. Os advogados de Edemar pediram uma perícia, negada pelo juiz Caio Mendes de Oliveira, pois acreditam que os ativos suportam de 60% a 70% dos passivos. Mas foi a conta de Aguiar que permitiu ao Banco Central (BC) pedir a falência do Santos, já que pela Lei nº 6.024, que define critérios de liquidação de instituições financeiras, o pedido pode ser feito quando os ativos não respondem por 50% dos passivos. Vânio Aguiar contou ao Valor na tarde de ontem, que em princípio recusou o cargo de administrador judicial. "Sou funcionário do Banco Central e queria voltar para Brasília", disse. "O juiz entendeu que se precisava de uma pessoas que entendesse bem a área". O BC chegou até a sugerir um outro nome para ocupar o cargo, mas Aguiar acabou aceitando. Ontem, ele pediu licença de três anos do BC para se dedicar integralmente à sua nova função. "Acredito que a Lei de Falências vai dar maior agilidade para o recebimento dos créditos", disse o administrador. "Foi uma decretação de falência em tempo recorde." A expectativa de recuperar no máximo 10% do total do passivo, na visão de Aguiar, é uma previsão otimista. Na realista, é de apenas 5%. Isso se deve às inúmeras ações judiciais contra o banco, com liminares permitindo arrestos e bloqueios de dinheiro. Foram ao todo, segundo Aguiar, 250 ações neste período. "Tivemos a situação de uma saída de R$ 26 milhões do caixa do banco recentemente. Nos parece que isso é uma antecipação de dinheiro a credores", disse o administrador. "As pessoas querem pular na frente dos outros e quem consegue sacar antes, vai fazer com que os outros recebam menos." De qualquer forma, as operações casadas feitas com o Banco Santos serão julgadas agora por um único juiz, segundo Aguiar. Agora, o administrador judicial começa a estruturar o processo de recuperação das dívidas do banco. Ele destacou que serão montados uma assembléia e um comitê de credores. Os dois terão membros do comitê da KPMG e dos representantes dos fundos de pensão. Segundo o promotor Alberto Camiña, responsável pelo caso do Banco Santos no Ministério Público do Estado de São Paulo, logo que comunicado oficialmente da falência, ele irá propor a venda imediata de todos os créditos que o banco possua. Quem adquirir esses créditos se entenderá com os devedores, seja pela via judicial ou não. Essa possibilidade é encarada como uma forma de agilizar o recebimento desses créditos, porque evita que a massa falida tenha que entrar no Judiciário para recebê-los. "Não haverá o custo e tempo da administração de vários processos judiciais", afirma Camiña. Além disso, ele acredita que, pela nova Lei de Falências, a compra de ativos falidos pode ser interessante porque o adquirente não correrá o risco de sucessão tributária ou trabalhista. Quanto à escolha do administrador, o promotor considerou que foi acertada. "É uma boa solução de continuidade", afirma. Segundo ele, o fato de alguém que já estava a par do procedimento continuar dará agilidade à falência. Camiña também afirmou que vai oferecer denúncia ao Judiciário por crime falimentar contra o ex-presidente do Banco Santos e seus ex-administradores. Mas ele ainda não estabeleceu uma data. De acordo com especialistas, se vierem a responder por crime falimentar, os ex-administradores e o ex-presidente do Banco Santos responderão nos termos da Lei de Falências antiga, na qual o prazo de prescrição é menor - de quatro anos - do que na lei atual. "Conheço um único caso de condenação por crime falimentar na lei antiga", afirma o promotor. Pela nova lei, a prescrição passa a acompanhar aquelas penas estabelecidas no Código Penal, ou seja, são proporcionais às penas. O que fará, conforme especialistas, que muita gente seja condenada a partir da nova legislação, ao contrário do que ocorria até então. Além disso, conforme a nova lei, o número de crimes falimentares é maior do que na norma anterior. Hoje são onze tipos de crimes classificados, contra sete da legislação antiga. Segundo o advogado criminalista Jair Jaloreto Júnior, a lei penal só retroage para beneficiar o réu. Por isso, afirma, se tiver ocorrido crime falimentar na lei antiga, os réus vão se submeter às regras da norma anterior, que seriam mais brandas que a atual. Para Vânio Aguiar, a decretação da falência acarretará em prejuízos econômicos para Edemar. Nos últimos casos de intervenção do BC em bancos, o final foi mais feliz para os ex-controladores, segundo Aguiar. Bancos estrangeiros acabaram comprando a parte "boa" dos bancos (como no caso do Bamerindus, comprado pelo inglês HSBC) e os banqueiros saíam da história sem prejuízos. No caso do Santos, Aguiar acredita que será o primeiro caso de uma banco em que o controlador pode ter um grande prejuízo, pois a instituição foi inteira liquidada. Os advogados dos ex-controladores do Banco Nacional, também do escritório de Sérgio Bermudes, que defende o Santos, não compartilham da mesma visão. Eles alegam que no caso do Nacional especificamente quem ganhou com a operação foi o Unibanco, que pagou muito pouco por um ativo de qualidade. Além disso, o passivo trabalhista da massa falida é imenso, ao contrário do que acontece com o Santos. São poucos os processos trabalhistas envolvendo o Banco Santos. Segundo Aguiar, na liquidação estavam na instituição 200 funcionários e todos os demitidos receberam seus direitos. Hoje o banco conta com 100 funcionários. Mas com a falência, este quadro será reduzido, mas em menor intensidade, pois há outros serviços que precisam ser feitos. "Ainda há muito trabalho a ser feito, de cobrança e da Justiça", disse Aguiar. De acordo com a decisão do juiz da 2ª Vara de Recuperação de Empresas e Falência, Caio Mendes de Oliveira, a partir de agora todas as ações e execuções contra a massa falida estão suspensas e o banco deixa de existir, sem qualquer possibilidade de atividade da massa falida. "Temos um instrumento jurídico mais ágil agora", disse Aguiar. O BC agora pode se focar mais da política monetária e da fiscalização do sistema financeiro e deixar ao Judiciário a administração da massa falida.