Título: Apuração de dinheiro no exterior deve ampliar crise
Autor: Cristiano Romero e Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2005, Política, p. A7

Crise Dados sobre conta de publicitário nos EUA abrem novo flanco

A crise política terá um novo impulso no início de outubro, quando técnicos do governo receberem dos Estados Unidos informações sobre a movimentação financeira da empresa Dusseldorf, do publicitário Duda Mendonça. A expectativa é de que a investigação sobre essa empresa, uma "off-shore" aberta pelo publicitário nas Ilhas Bahamas para receber pagamentos de serviços prestados à campanha do presidente Lula em 2002, desvende uma sistemática de financiamento ilegal de políticos e de evasão de divisas. Suspeita-se de que o esquema foi usado por outros partidos, além do PT. A crise, a partir da revelação dos novos casos, deve se espalhar para outras siglas, criando um clima generalizado de pedidos de explicações contra diversos políticos. "A verdadeira crise pode ainda nem ter começado. Falar em fim da crise agora é precipitado", comentou um técnico envolvido nas investigações. Os investigadores têm fortes indícios de que o dinheiro de financiamento de campanhas eleitorais no Brasil está vindo do exterior. Os recursos seriam depositados lá fora por empresas brasileiras e trazidos para o país por meio de doleiros e empréstimos forjados (sem garantias reais). Como em agosto do ano passado a Polícia Federal prendeu 63 doleiros numa única operação - batizada de Farol da Colina -, o esquema do valerioduto, revelado pelas CPIs dos Correios e do Mensalão, teria optado pelos empréstimos. Uma operação conhecida no mercado financeiro como "back-to-back" facilita a entrada de recursos no país. O dinheiro é depositado numa agência de um banco brasileiro lá fora e, aqui dentro, o mesmo montante é emprestado por esse banco, sem a exigência de garantias. Integrantes das CPIs e investigadores envolvidos no caso acreditam que pelo menos parte dos empréstimos feitos pelo Banco Rural ao PT foi feita dessa maneira. Duda Mendonça participou de dezenas de campanhas antes da eleição de Lula em 2002. Os investigadores acreditam que boa parte do dinheiro desses trabalhos tenha sido paga à Dusseldorf. Além do uso de caixa 2, os políticos que pagaram Duda pelo exterior poderão ser processados por evasão de divisas. A expectativa é de que o próprio publicitário responda por esse crime porque tinha contas no exterior não-declaradas no Brasil. Ao admitir a existência dessas contas em depoimento à CPI dos Correios, Duda reduziu em dois terços a sua eventual pena e fortaleceu o argumento de que, se condenado, pode responder em regime aberto, pois, além de ser réu primário, está colaborando com as autoridades. Outras três contas nos Estados Unidos são alvo de pedidos de informações por autoridades do governo. Uma delas é a conta Eleven, que, suspeita-se, seria do ex-prefeito Paulo Maluf no Citibank, nos EUA. As outras contas são a LEO Green e James Towers, que teriam o ex-senador Luiz Estevão como titular, no Delta Bank, em Miami. Segundo procuradores envolvidos nas investigações, a conta Eleven seria uma referência ao número 11, utilizado por Maluf em suas campanhas políticas. LEO seria a abreviação de Luiz Estevão de Oliveira. Green é referência, em inglês, a dinheiro. James Towers, por sua vez, diz respeito a João Torres, sócio de Luiz Estevão. Há suspeitas de que da conta LEO Green tenha partido dinheiro para a conta Eleven e que essa operação teria sido um pagamento de Luiz Estevão para Duda Mendonça por serviços prestados na campanha de 1998. Naquele ano, Estevão foi candidato ao Senado, na chapa de Joaquim Roriz ao governo do Distrito Federal. Ambos concorreram pelo PMDB e foram vencedores nas eleições. Duda cuidou da campanha de Roriz. O governador foi reeleito em 2002. Já Estevão foi cassado em 2000 pelo escândalo de desvio de dinheiro público na construção do TRT de São Paulo. Suspeita-se que Estevão recebeu parte do pagamento da obra com dinheiro do exterior. Em processo que tramita no Tribunal Regional Federal de Brasília, o ex-senador foi acusado de evasão de divisas por manter as contas Leo Green e James Towers no Delta Bank, em Miami, entre 1992 e 2000. Segundo os autos do processo, a movimentação financeira nessas contas, no período, foi de aproximadamente US$ 20 milhões. O TRF considerou que a quantia não foi declarada ao Banco Central e à Receita Federal e condenou Estevão por evasão de divisas. As investigações sobre transações financeiras ilegais no exterior estão sendo conduzidas por órgãos públicos distintos - o Ministério Público Federal, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, o Departamento de Recuperação de Ativos Ilícitos (DRCI) do Ministério da Justiça, o Banco Central, a Receita e a Polícia Federal. A estratégia tem sido traçada em reuniões com representantes desses órgãos. Apesar do prazo político das CPIs, técnicos do governo acreditam que as investigações dos casos de caixa 2, envolvendo dinheiro do exterior, podem levar de dois a três anos para serem concluídas.