Título: PT fez saques irregulares de 11,5 milhões
Autor: Jaqueline Paiva
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2005, Política, p. A9

Crise Segundo TSE, partido sacou irregularmente do fundo partidário, aplicou no Banestado e tem dois CNPJ

O PT sacou na boca do caixa, em 2004, R$ 11,15 milhões de recursos públicos do fundo partidário. Foram 36 saques ao longo do ano. Outros R$ 7,9 milhões foram transferidos para duas contas em 15 saques feitos entre março e dezembro. A prática contradiz norma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo a qual as despesas partidárias devem ser feitas por cheque nominal ou crédito bancário. Se as contas do PT forem rejeitadas por causa das irregularidades, o partido não terá direito aos recursos do fundo partidário em 2006, em pleno ano eleitoral. Relatório preliminar do TSE sobre as contas do partido em 2004, ao qual o Valor teve acesso, mostra que não-movimentação do dinheiro nas contas bancárias criadas para receber os repasses do fundo partidário dificultam a fiscalização. "Os recursos foram gastos mediante prévios saques, o que desvinculou a emissão de cheques a pagamentos de despesas", diz o documento do TSE na página 15 do relatório. Segundo os livros contábeis encaminhados ao tribunal pelo PT, os recursos foram tirados do banco e colocados no caixa. O PT recebeu, em 2004, R$ 24,9 milhões do fundo partidário. O partido recebeu também doações de empresas e filiados, recursos que também são examinados pelo TSE. O artigo 34 da lei 9.096, que rege o funcionamento dos partidos políticos, exige que os gastos tenham vinculação comprovada. Para especificar a legislação, o TSE baixou em junho do ano passado a instrução normativa 21.841, disciplinando a prestação de contas. O artigo 10 prevê que "as despesas partidárias devem ser realizadas por cheques nominativos ou por crédito bancário identificado". Em seguida, a regra abre uma brecha para os saques, desde que de valores pequenos: "à exceção daquelas (despesas) cujos valores estejam situados abaixo do teto fixado pelo TSE, as quais podem se realizadas em dinheiro". Ainda não existe um teto, embora haja o entendimento de que os saques feitos pelo PT foram elevados. O teto deve ser proposto pelo ministro Caputo Bastos, que está com a matéria em estudo desde novembro do ano passado. De qualquer forma, a própria instrução exige que os saques devem ser feitos com transferência para a conta do prestador de serviço, o que não aconteceu com 46% dos recursos que foram sacados no caixa pelo PT. Os documentos do TSE mostram que os recursos foram sacados com cheques destinados ao Banco do Brasil. A avaliação do TSE é que o dinheiro dos saques pagou despesas do partido. A questão que se coloca no relatório é por que as contas não foram pagas com cheques nominais. O relatório também aponta que, mesmo as transferências para as duas outras contas do partido, que não são as do fundo partidário, dificultam a fiscalização porque misturam o dinheiro com recursos de outras fontes. "Como essas contas movimentaram também recursos de origem privada, inviabilizou-se parcialmente a distinção dos gastos efetuados com recursos públicos", aponta o relatório. O documento pede esclarecimentos ao partido sobre essa prática. O relatório do TSE requisita da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios a cópia dos depoimentos do ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, em que admitiu que o PT operou com caixa 2. O documento pede outras explicações ao partido. Uma delas é o "extrato bancário da aplicação financeira registrada no balanço patrimonial, sob a rubrica Banestado" e a existência de dois números de inscrição CNPJ do partido. A prestação de contas do PT aponta apenas empréstimos bancários no valor de R$ 2,45 milhões, valor inferior ao que já foi descoberto na CPI dos Correios. Outros dados mostram uma divergência nos valores originados nas contribuições dos servidores públicos do governo federal, que ocupam cargos de confiança. Há dois valores fornecidos: R$ 3,945 milhões e R$ 3,008 milhões. Os dados das contribuições de parlamentares, ministros e ocupantes de cargos em estatais também foram divergentes. O primeiro aponta que essas contribuições somaram R$ 3,122 milhões. No segundo, R$ 2,81 milhões. Falta ao PT comprovar ainda os recursos repassados para a Fundação Perseu Abramo, responsável pela formação doutrinária do partido. O relator das contas do PT no TSE é o ministro Gilmar Mendes. O partido reagiu ao relatório. Segundo sua assessoria, o PT já foi notificado e está preparando a resposta. Para isso, os advogados do partido pediram uma pesquisa na contabilidade interna porque a prestação de contas se refere à gestão anterior. Mas a avaliação preliminar, segundo a assessoria, mostra que os recursos foram sacados e pagos a fornecedores.