Título: Delação premiada é mal regulamentada
Autor: Cristine Prestes
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2005, Política, p. A10

A falta de regulamentação em torno do instrumento denominado "delação premiada", que permite a redução da pena de um réu em um processo penal em caso de colaboração espontânea com a apuração dos fatos, tem causado confusão em torno do que é ou não possível de ser feito nos casos de corrupção investigados pelas CPIs. Embora a delação premiada tenha sido incluída na legislação brasileira em 1990, com a Lei de Crimes Hediondos, a discussão veio à tona somente agora, quando alguns dos personagens envolvidos nas CPIs se ofereceram a colaborar com as investigações em troca de redução de penas. O deputado Roberto Jefferson e o publicitário Marcos Valério foram os primeiros a propor acordos à Procuradoria-Geral da República, seguidos pelo doleiro Toninho da Barcelona, que prometeu detalhar remessas de divisas feitas por ele ao exterior a pedido de integrantes do PT; pelo advogado Rogério Buratti, ex-assessor do ministro da Fazenda Antonio Palocci; e pelo ex-chefe de departamento dos Correios Maurício Marinho. Não há um levantamento de quantos acordos foram fechados no Brasil até hoje, mas desde 1990 a legislação avançou nesse sentido. De acordo com o advogado criminalista Maurício Zanoide, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), há nove leis no país que prevêem a possibilidade de delação premiada, ainda que de forma sucinta. Leis como a de combate à lavagem de dinheiro, de crimes contra o sistema financeiro nacional e que tratam das organizações criminosas trazem em seu texto a previsão de que, em caso de colaboração com as investigações, o juiz responsável pode reduzir a pena em até dois terços. Mas tanto os percentuais de redução de pena previstos quanto a própria situação em que ela pode ocorrer variam de acordo com a lei. "A legislação mais abrangente sobre o tema é a Lei nº 9.807/99, que trata da proteção a testemunhas, mas mesmo assim, apenas três de seus artigos tratam do assunto", afirma Zanoide. "A delação premiada está mal regulamentada e as lacunas abrem espaço para abusos e arbitrariedades." A ausência de regulamentação acaba por gerar interpretações diferentes em torno do tema. Para Zanoide, somente o juiz responsável pelo caso tem o poder de decidir se, ao fim do processo, o delator deve ou não ser beneficiado. "É uma ilegalidade o promotor oferecer acordo, ele pode apenas deixar claro que, ao fim do processo, há essa possibilidade", diz. Mas, para o procurador da República no Rio de Janeiro Márcio Barra Lima, a Lei nº 10.409/02 - a lei de tóxicos - previu também a possibilidade de o Ministério Público propor acordo com o acusado para colaborar com a Justiça. "Até então, o juiz podia decidir sobre a redução de pena, mas agora o acordo já é uma garantia", diz. Segundo ele, na investigação em torno das contas CC5 do Banestado, que ocorreu entre 2003 e 2004, vários acordos foram fechados entre procuradores e acusados. "Foi a primeira vez que o acordo foi utilizado", conta.