Título: Execução do orçamento federal piora em 2005
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2005, Brasil, p. A3

Contas Públicas Proporcionalmente a 2004, cai empenho e liquidação de verbas para investimentos

O governo federal continua a gastar muito pouco com investimentos em 2005, deixando de aproveitar o forte aumento dos recursos previstos no orçamento para esse objetivo. Neste ano, as despesas com investimento estão proporcionalmente menores do que em 2004, na comparação com o orçamento aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Executivo. De janeiro a 17 de setembro deste ano, foram liquidados apenas 8,94% de um montante de R$ 22,070 bilhões; no mesmo período de 2004, o governo liquidara 15,06% de um orçamento de R$ 13,027 bilhões. As informações são do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), elaboradas a partir de números obtidos nos bancos de dados da Câmara dos Deputados e do Senado. Segundo analistas, a política de gerar superávits primários elevados, a forte rigidez orçamentária e os gastos com juros do governo são alguns dos fatores que explicam esse desempenho fraco. Além disso, o próprio processo de elaboração e execução do orçamento também contribui para isso, como afirma Selene Nunes, assessora do Inesc, uma organização não governamental que acompanha de perto os gastos públicos. O quadro não é melhor se a comparação for feita pela ótica do empenho (o pontapé inicial do processo de execução orçamentária, pelo qual se reservam os recursos para obras e serviços determinados). De janeiro a meados deste mês, o governo empenhou 26,9% dos R$ 22,070 bilhões previstos. Em 2004, haviam sido empenhados 49,11% do total. Selene ressalta que o Brasil investe muito pouco em setores fundamentais como infra-estrutura e saneamento, bastando comparar os números do investimento com os gastos com juros. Em agosto, por exemplo, as despesas com juros do setor público atingiram R$ 13,124 bilhões, 6,6 vezes mais que o 1,973 bilhão de investimentos já liquidados entre janeiro e 17 de setembro. Em valores nominais, é um número próximo ao R$ 1,962 bilhão que foi gasto no mesmo período de 2004. A questão é que é um valor bem menor em relação ao total previsto na lei orçamentária. Um dos grandes problemas está no modo como o orçamento é elaborado e executado, afirma Selene. No começo de cada ano, o governo federal anuncia um "megacontingenciamento" dos recursos previstos na lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio Executivo. Neste ano, o corte foi bastante drástico: em fevereiro, um decreto cortou os investimentos que na lei orçamentária estavam na casa de R$ 22 bilhões para R$ 13,191 bilhões. Esse tipo de medida dificulta significativamente o acompanhamento da execução orçamentária, afirma ela. Segundo Selene, um dos problemas é que, ao contingenciar os recursos, o governo define limites para os ministérios, que aí definem quais programas e ações de investimentos serão cortados. Ela também critica o fato de que o governo muitas vezes faz liberações adicionais de recursos muito perto do fim do ano. Se o dinheiro é liberado no fim do terceiro ou no começo do quarto trimestre, por exemplo, fica ainda mais complicado para os ministérios conseguirem gastar os recursos. Selene diz que, em muitos casos, é difícil dizer se a execução pífia do orçamento se deve a problemas de gestão ou ao fato de os recursos não foram liberados a tempo. Em alguns programas, o governo federal liquidou menos de 10% dos valores previstos no orçamento, de acordo com o levantamento do Inesc. No caso do de saneamento ambiental urbano, o governo federal liquidou apenas 0,43% da verba autorizada R$ 838,613 milhões. No caso dos investimentos em infra-estrutura de transportes, o governo liquidou 7,43% dos R$ 206,688 milhões autorizados. Selene critica ainda o fato de o governo usar o orçamento como moeda de troca com deputados e senadores. É o caso, segundo ela, da liberação de R$ 500 milhões para as emendas de parlamentares, anunciada pelo governo na semana passada, às vésperas da eleição para a presidência da Câmara. "Isso mostra que o processo de cortes e liberação de verbas é muitas vezes político, e não técnico", afirma Selene. Analistas como Raul Velloso também acham que o Brasil investe muito pouco, mas preferem apontar a excessiva rigidez orçamentária como a grande causa do problema, devido à elevada vinculação de receitas a despesas pré-determinadas. Num cenário de rigidez orçamentária, a política de gerar superávits primários elevados faz o governo a cortar investimentos, uma vez que boa parte dos outros gastos não podem ser reduzidos, como as despesas com pessoal e previdência. Para obter um esforço fiscal significativo nesse quadro, o governo opta muitas vezes por não realizar despesas com investimento, um dos poucos itens sobre os quais o governo tem liberdade para manejar as verbas. Segundo Velloso, os gastos obrigatórios e os que ele chama de "super prioritários" (como o Bolsa Família) responderam em 2004 a 91% da despesa não-financeira do governo federal. Estão incluídos aí as despesas com pessoal, benefícios assistenciais (aposentadorias até um salário mínimo, seguro-desemprego e Bolsa Família), benefícios previdenciários, saúde, Legislativo e Judiciário. Em 1987, antes da entrada em vigor da atual Constituição, esses gastos equivaliam a apenas 47% das despesas não-financeiras, que não incluem encargos com juros. "Nesse período, os gastos discricionários - aqueles sobre os quais o governo tem poder de decisão - caíram de 53% para 9% do total", afirma Velloso. Nesse cenário, sobra pouco espaço para o investimento público, afirma ele. Velloso acredita que o governo federal dificilmente vai investir mais do que 0,4% do PIB neste ano, o mesmo percentual registrado no ano passado. Se investir mais, será no máximo 0,5% do PIB, afirma ele. Apenas para comparar: nos 12 meses terminados em agosto, o superávit primário ficou em 5,1% do PIB e os gastos com juros, em 7,94% do PIB. Para o economista Marcos Mendes, consultor do Senado, o caminho para aumentar o nível de investimentos passa pela redução dos gastos correntes, sem crescimento da carga tributária. Ele critica o modelo de ajuste fiscal adotado a partir de 1999, baseado justamente em aumento do peso do sistema de impostos e no corte de investimentos, necessários para amparar a elevação das despesas correntes. Segundo Mendes, os processos de ajuste fiscal que se mostraram sustentáveis e abriram espaço para um crescimento mais forte vão na direção oposta da traçada pelo Brasil. Nesse cenário, o mais provável é que o investimento do governo federal siga baixo por mais tempo, dificilmente voltando para a casa de 1% do PIB.