Título: A política monetarista e o cavalo do inglês
Autor: Roberto Timotheo da Costa e Rui Lyrio Modenesi
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2005, Opinião, p. A10

Quando se acostumar com arrocho, país morrerá de fome.

Desde o início do atual governo, e mesmo antes, vem-se assistindo, pela mídia, uma batalha entre duas correntes de pensamento econômico. De um lado, os monetaristas, que postulam que o controle da inflação é precondição para o crescimento econômico sustentado. E, de outro lado, os chamados desenvolvimentistas, economistas de linhagem neokeynesiana, para quem o desenvolvimento deve ser a prioridade ou o objetivo primeiro da política econômica. Pode-se dizer que o objetivo final de ambas as correntes é o desenvolvimento voltado para a melhoria do padrão de vida da população. Mas o caminho a trilhar não seria mesmo. A visão monetarista encerra um paradoxo: como Narciso, seus adeptos se apaixonam pelos meios, esquecendo-se do objetivo. Não são capazes de admitir que já se dispõe das condições necessárias para "soltar as amarras" que freiam o crescimento econômico. Estão sempre propondo mais arrocho, na promessa de que o futuro será brilhante. Não obstante a seriedade do tema, lembram-nos a velha piada do cavalo do inglês que, quando estava quase treinado para deixar de comer, morreu de fome. Na verdade, têm-se fixado metas fiscais cada vez mais exigentes. No tocante ao superávit primário do setor público (receitas menos despesas, exceto pagamento de juros), já se fala em passar da meta de 4,25% do PIB - suficiente para pagar a atual despesa anual de US$ 90 bilhões de juros - para algo como 5,1%. Isso significa mais arrocho, menos investimento e menor crescimento, embora deixe a banca internacional mais confortável e despreocupada. Porém, o país ainda patina num patamar de crescimento do PIB de 3,5% ao ano, insuficiente em termos de geração de emprego e renda. Seria preciso crescer em torno de 6 ou 7% para ir reduzindo a taxa de desemprego e a desigualdade de renda e propiciando aumento da arrecadação, com redução da excessiva carga tributária, que estimula a sonegação, e a informalidade da produção, que exclui muitos trabalhadores das condições básicas da cidadania. Apesar de os fundamentos da economia terem melhorado bastante, não se pode dizer que o país deixou de ser vulnerável a crises, sobretudo as de origem externa. Três indicadores macroeconômicos deixam isso claro. A relação dívida pública líquida/PIB declinou do pico de quase 60% em 2003, mas ainda supera os 50%, a despeito dos altos e crescentes níveis de superávit primário. A relação dívida externa líquida/exportação e o nível de reservas cambiais também evoluíram favoravelmente - estando hoje em 9 e quase US$ 60 bilhões, respectivamente -, mas ainda requerem cuidado. É vital que o país cresça, mas como nossos fundamentos econômicos não são os ideais, é preciso tomar algumas providências para melhorá-los. Para compor um palatável cardápio de mudanças, deve-se começar baixando a mundialmente recordista taxa real de juros, hoje da ordem de 14% ao ano enquanto a inflação é de 5 a 6% ao ano. A segunda medida deveria ser diminuir a meta de superávit primário para níveis mais civilizados, como os 3% da Argentina, que vem de dar um calote na sua dívida externa e este ano crescerá bem mais do que o dobro que nós. Assim, liberariam-se recursos para os essenciais investimentos em infra-estrutura de energia, transportes, saneamento e em saúde e educação.

Instrumentos de política fiscal e monetária deveriam ser usados como meios, não como objetivos em si mesmos

Como o que atrai investimentos é o crescimento econômico, caberia deixar claro que a posição brasileira é irrevogável: não mais se praticarão taxas de juros estratosféricas e o mercado terá de se adaptar a essa nova realidade. O país precisa ter um claro projeto de desenvolvimento e não custa lembrar que, para quem não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve. Em suma, os instrumentos básicos de política fiscal e monetária deveriam ser operados como meios para se atingir o desenvolvimento e não como objetivos em si mesmos. Não há como adiar mais a contenção dos gastos públicos de custeio, principalmente os previdenciários. Urge colocar em prática uma reforma da previdência que gere, em um horizonte aceitável, o equilíbrio de suas contas. O país precisa logo retomar um ciclo longo de investimento em infra-estrutura econômica e social, que será a locomotiva que puxará o crescimento, gerando empregos e renda rapidamente e ampliando a demanda para todos os elos da cadeia produtiva. Adiante, deverá-se retomar a discussão de qual o papel que a nação brasileira deseja para o Estado. Não se pode esquecer que nenhuma nação cresce virtuosamente se não tiver investimentos crescentes na busca da competitividade e do conhecimento, em sentido amplo, compreendendo os investimentos em educação. Não se deve tentar reinventar a roda e, nesse supermercado globalizado, deve-se ter a permanente capacidade de comprar aquilo que aumente a produtividade e a competitividade externa, e não há de ser apenas vendendo matérias-primas de baixo valor agregado que se atingirá tal objetivo. Ser o maior exportador mundial de soja em grão ou de minério de ferro pode parecer muito bom, mas isso só é enganoso: os preços dessas commodities são fixados pelos mercados compradores e exigem dos produtores pesados investimentos em infra-estrutura de logística (produção, transporte, manuseio, embarque etc.). Muito melhor seria o país ser o maior produtor de todos os produtos da cadeia produtiva da soja, desde as rações e óleos alimentícios até os fármacos, e também ser o maior produtor de produtos siderúrgicos com alta tecnologia embarcada, e assim por diante. Dessa forma, com menores quantidades de produtos - o que reduz a necessidade de dispendiosos investimentos em infra-estrutura -, agregar-se-á valor à exportação, tornando irreversível a posição já conquistada pelo país no comércio mundial. É bom lembrar que dos quatro maiores produtores de alimento do mundo, o Brasil - hoje detentor do que há de melhor em tecnologia e competitividade no agronegócio - é o único capaz de quadruplicar a área plantada, além de não ter problemas com suprimento de água. Confirma-se, pois, a tese de que seremos o celeiro do mundo, mas para apropriarmos essa riqueza as indústrias que a processarão hão de estar instaladas no Brasil, gerando empregos, pagando impostos e contribuindo para o desenvolvimento. Temos, definitivamente, que valorizar a produção e não a especulação financeira alimentada pela longa prática de elevadíssimas taxas de juro.