Título: Licença que se impõe
Autor: Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2010, Brasil, p. 10

Concessões do Ibama, que autorizam obras como as usinas Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, recebem críticas de ambientalistas pelo pouco rigor, mas instituto e governo dizem que regras são cumpridas integralmente

As licenças ambientais concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que autorizam a realização de obras de infraestrutura, como rodovias, ferrovias e hidrelétricas, são documentos fundamentais para o desenvolvimento do país. As inúmeras contestações do Ministério Público Federal e de ambientalistas em relação ao processo dessas concessões, no entanto, têm levantado discussões sobre até que ponto permissão pode ser confundida com permissividade. Se por um lado integrantes da Procuradoria-Geral da República e especialistas da área ambiental cobram mais rigor nas análises técnicas, representantes do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama sustentam que as regras são cumpridas à risca.

As quantidades de ressalvas e condições específicas registradas em licenças ambientais concedidas são enormes, a ponto de chamar a atenção de técnicos do próprio Ibama. Um deles, que pediu para não ser identificado, destacou, por exemplo, o projeto da Valec Engenharia para a implantação da Ferrovia de Integração Oeste Leste da Bahia. A licença prévia, expedida em 29 de março deste ano com a assinatura da então presidente substituta do órgão, Sandra Regina Rodrigues, apresenta 35 condições específicas para que o próximo documento a licença de instalação seja concedido.

A subprocuradora-geral da República, Sandra Cureau, é também coordenadora da 4ª Câmara da instituição, que desenvolve ações de defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural brasileiro. Ao analisar, a pedido da reportagem do Correio, a Licença Prévia concedida ao empreendimento, ela criticou duramente a indicação de viabilidade da obra.

Primeiro, uma licença ambiental não deveria ser concedida diante de tantas condicionantes. Algumas delas são primordiais (veja fac-símile ao lado), como a que pede dados complementares sobre o tamanho e a distribuição da população de espécies ameaçadas na Bahia. E se naquele lugar houver animais em perigo de extinção? Só depois vão tomar providências?, questionou. Vivemos um momento complicado e as dúvidas aparecem o tempo inteiro. Agora, é Belo Monte, mas já foram outros tantos, como as usinas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, recentemente, disse.

O responsável por assuntos ambientais da Valec, Augusto Quintanilha, destacou que todas as condicionantes estão sendo cumpridas e, em breve, serão enviadas novas análises para serem examinadas pelo Ibama.

Questionado sobre o excesso de condições específicas, o diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Pedro Alberto Bignelli, explicou que o número de condicionantes é proporcional ao tamanho do empreendimento. Porém, segundo o próprio Bignelli, a licença para a usina hidrelétrica de Belo Monte, obra bem mais complexa no Pará, tem 40 desses itens. O empreendimento no Rio Xingu, aliás, está no centro de uma polêmica de proporções gigantescas. No início desse mês, o Ministério Público Federal do estado protocolou duas ações que pedem a anulação da licença ambiental emitida pelo Ibama. Os procuradores alegam que o meio ambiente da região pode sofrer danos significativos com a construção, estimada em R$ 19 bilhões.

De fato, nós recebemos inúmeros questionamentos do Ministério Público, mas o papel deles é fiscalizar. Agora, mesmo com todas essas ações, o Ibama nunca perdeu qualquer processo. Não me lembro de uma situação em que tivemos de voltar atrás em uma licença, comentou Bignelli. Pouco se discute, todavia, que as condições de trabalho dos técnicos são desmotivantes. Os profissionais são mestres ou doutores e ganham um salário muito baixo, além de toda a pressão que a equipe sofre. Por isso, a evasão é grande e o trabalho fica prejudicado, completou.

Ressalvas Funcionários do Ibama, com identidade preservada para evitar represálias, confirmam as condições ruins de trabalho e denunciam que muitas das licenças ambientais são concedidas mesmo sem que o empreendimento seja viável no local. Às vezes, a avaliação técnica tem ressalvas, ou mesmo um parecer contrário, e ainda assim a permissão é liberada, diz um servidor. Muitos empreendimentos têm tanta certeza que receberão a licença que mandam estudos ambientais completamente toscos. Um do Rio de Janeiro, só para exemplificar, listou ursos polares como parte da fauna na região. Isso atrasa o nosso trabalho, complementou.

Com presidente interino depois das mudanças recentes promovidas pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira , funcionários insatisfeitos e em greve, além dos questionamentos da eficiência técnica, o Ibama vive um momento difícil. Para amenizar os problemas no órgão, a chefe da pasta ambiental pretende editar, nos próximos meses, quatro decretos para melhorar o processo de licenças ambientais para rodovias, exploração de petróleo, gás e energia.

Estamos concluindo estudos para adotar regras mais claras e objetivas sobre o licenciamento. O Brasil precisa de um sistema de informação ambiental para que a sociedade tenha acesso e entenda quais são as necessidades de cada empreendimento, não só para mitigar, mas para compensar também. A população tem o direito de acompanhar e monitorar cada obra, disse a ministra Izabella Teixeira em entrevista ao Correio. Para saber mais Como se dá o processo

Todo o processo de licenciamento ambiental é dividido em três etapas. Depois que a empresa interessada entrega ao Ibama o memorial descritivo, documento que apresenta o empreendimento, são iniciados os estudos e análises para que seja concedida a licença prévia, que indica a viabilidade da obra no local. Depois, com as condicionantes expostas na fase anterior resolvidas, o órgão expede a licença de instalação.

Essa autoriza o início da construção, especificando um cronograma do projeto, que não poder ultrapassar seis anos. Quando todas as exigências são cumpridas, é iniciada a última etapa. A licença de operação define a data do início do funcionamento do empreendimento. Todas essas fases são permeadas por análises de órgãos complementares, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Fundação Palmares e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), dependendo do segmento atingido pelas obras. (IS)