Título: Cuidados na oferta de crédito consignado
Autor: Cassio Sérvulo da Cunha e Eduardo Dotta
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Quando do simples envio do cartão ocorre o imediato bloqueio de 10% na reserva de margem consignável"

Bastante festejado nos últimos tempos pelo fato de haver injetado na economia brasileira mais de R$ 8,8 bilhões, gerando uma importante fonte de captação e uma conseqüente liquidez para as pequenas e médias instituições, o crédito consignado aos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) teve suas regras revistas após denúncias de práticas abusivas e suspeitas de sonegação de informações sobre a forma de cobrança das taxas de juros e demais encargos. Visando estabelecer normas mais claras de conduta e contratação, o INSS através da Instrução Normativa nº 121, de 2005, reviu os procedimentos quanto à consignação dos descontos para pagamento de empréstimos, donde destacam-se: a forma de contratação somente escrita ou meio eletrônico; a possibilidade de contratação por prazo indeterminado; a guarda e conservação da autorização firmada por prazo de cinco anos a contar do encerramento do empréstimo; a obrigatoriedade das instituições em informar previamente o valor total financiado, taxas efetivas de juros mensais e anuais, além do valor, número e periodicidade das prestações; e a necessidade das instituições evidenciarem todos os acréscimos que incidam sobre o valor financiado, em especial a taxa de abertura de crédito. Outra novidade também criada diz respeito à regulamentação dos empréstimos consignados concedidos por meio de cartão de crédito, e é aqui que desenvolveremos o tema central deste artigo, suscitando o debate, inclusive como forma de alerta às instituições financeiras, visando à preservação e aperfeiçoamento da referida modalidade de crédito, que em muito tem contribuído para a higidez do sistema financeiro nacional e para a mobilidade da poupança privada. A regulamentação do crédito consignado limita o endividamento do tomador do empréstimo adotando o conceito de reserva de margem consignável, fixando o percentual máximo em 30% do valor do benefício líquido percebido que o mutuário poderá comprometer junto ao INSS. Dentre as formas de contratação, destacamos a utilização de cartões de crédito para a consignação futura de descontos e/ou retenção destinada ao pagamento de empréstimos, limitada a 10% dos proventos líquidos do beneficiário, implicando, por correlato, na diminuição da reserva de margem consignável constituída, remanescendo os demais 20% para contratação livre, através de empréstimos pessoais. Algumas instituições já habilitadas a operar nesse mercado, antevendo o acirramento da disputa no referido crédito com a entrada de novos players, passaram a ofertá-lo na modalidade de cartão de crédito para a sua base de contratos. Compreendemos, contudo, que a referida oferta deverá atentar ao disposto no artigo 39, inciso III da Lei nº 8.078/90, que veda o envio de produtos ou serviços onerosos sem solicitação prévia, classificando tal prática de abusiva, e também ao estabelecido no inciso VII do parágrafo 9º do artigo 1º da Instrução Normativa nº 121/05, que faculta ao titular do beneficio, ao constituir a reserva de margem consignável, a prévia solicitação do cartão.

A oferta deverá atentar ao disposto na Lei nº 8.078, que veda o envio de produtos ou serviços onerosos sem solicitação

Em uma primeira análise, o problema seria de fácil solução, pois bastaria ao beneficiário promover a inutilização do cartão ou simplesmente deixar de usá-lo, não absorvendo qualquer ônus financeiro ou moral com o envio não solicitado. Todavia, quando do simples envio do cartão ocorre o imediato bloqueio de 10% na reserva de margem consignável a que o beneficiário faz jus, independente de sua solicitação e de seu uso. Nesse contexto é possível afirmar que, quando do envio do cartão sem a prévia solicitação, poderá ser argumentada a violação aos direitos dos consumidores, contemplados na legislação consumerista e na regulamentação administrativa das operações em questão. Sublinhe-se que o problema que advém do envio de cartão não solicitado no referido contexto consubstancia-se no bloqueio da margem consignável, pois caso o envio do cartão não redundasse em redução de acesso ao crédito não haveria a imposição de qualquer ônus ao usuário do sistema financeiro. Em outras palavras, persistindo o bloqueio de 10% da reserva de margem consignável sem a correspondente autorização do titular do benefício, estar-se-á retirando a possibilidade de acesso total ao crédito disponível, bem como estar-se-á suprimindo da economia crédito existente e destinado à livre circulação. Assim, o bloqueio da reserva de margem consignável pelo envio de cartão não solicitado, além da advertência acima detalhada, pode afetar, ainda que indiretamente, o cenário econômico, pois retira de circulação o crédito não utilizado correspondente a margem bloqueada, recurso este que poderia ser injetado na economia através de operações financeiras diversas, prejudicando, em última instância, a mobilidade da poupança nacional. Assim, deflui do acima exposto que, a persistir tal prática, também poderá ser questionada a ocorrência de uma eventual reserva de mercado explorável, uma vez que a instituição que bloqueou 10% da margem consignável do crédito possível estaria restringindo o mercado relevante explorável por outras instituições em operação. Esperamos que as questões suscitadas sirvam de alerta, tanto ao INSS, na condição de agente regulador, como às instituições financeiras atuantes neste mercado, para que, dentro dos princípios que regem as relações de consumo, o regular funcionamento do mercado financeiro e as estruturas da livre concorrência, revejam suas práticas, permitindo não só a ampla circulação do crédito e o arrefecimento da economia mas também - e principalmente - a difusão do crédito e a redução do custo do mesmo aos cidadãos afastados do sistema financeiro nacional.