Título: Nata dos executivos triplica ganhos
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2005, Empresas &, p. B2
Remuneração Aumento de lucros ajudou, mas bônus e ações fizeram a diferença no pagamento de 2004
Os executivos da cervejaria AmBev colocaram no bolso em 2004, ano da fusão com a belga Interbrew, R$ 274,9 milhões em salários e bonificações, apesar da queda no lucro líquido da empresa. No ano anterior, quando uma Schincariol renovada ganhou pontos no mercado brasileiro, a remuneração de executivos e conselheiros da AmBev foi bem mais modesta: R$ 5,9 milhões. A empresa não alcançou suas metas e, por isso, não pagou bônus em 2003. Além de R$ 152,4 milhões em bônus, uma recompra de ações pela AmBev criou um benefício adicional aos executivos. A companhia não revela os valores recebidos individualmente pelos administradores, nem quantos tiveram direito à remuneração. O alto escalão da AmBev é formado por 11 pessoas. Outras nove compõem o conselho de administração. O caso da AmBev é ilustrativo de como a remuneração variável tem se tornado um componente cada vez mais importante para atrair e reter executivos nas principais empresas brasileiras - reproduzindo um modelo que é muito freqüente em outras partes do mundo. A remuneração dos administradores e conselheiros em 31 companhias brasileiras de capital aberto superou R$ 1,4 bilhão em 2004, ano de crescimento econômico e de lucros recordes no país. O montante é 173% superior ao pagamento feito no exercício anterior, de R$ 515,2 milhões. É o que mostra levantamento feito pelo Valor com empresas que têm ações negociadas no mercado americano. O crescimento da recompensa foi muito maior do que a variação do lucro líquido do conjunto dessas empresas, que aumentou 22% no ano passado. Os dados foram extraídos do relatório anual enviado pelas empresas à Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que regula o mercado de capitais nos EUA), dos informativos apresentados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de atas de assembléias. Instituições financeiras como Unibanco e Itaú e empresas como Embraer também pagaram gordas bonificações, na esteira de aumentos significativos no lucro líquido. A operadora de telefonia Embratel foi um caso à parte. Às vésperas de a empresa ser vendida pela americana MCI, os executivos aprovaram o pagamento de R$ 92 milhões em bônus a eles próprios, o que elevou a remuneração total de 2004 para R$ 130,4 milhões. Para este ano, a previsão da Embratel é de pagar R$ 590 mil à sua diretoria. A Telmex, nova controladora, já avisou que não haverá participação nos lucros, opção de compra de ações ou bônus especiais. Algo parecido aconteceu neste ano na Brasil Telecom. No fim de abril, uma assembléia controvertida aprovou um aumento de 55% - para R$ 30 milhões - na remuneração da diretoria prevista para 2005. Quem votou como acionista majoritário na ocasião foi o Opportunity, apesar de ter sido destituído pelo Citigroup e pelos fundos de pensão da gestão dos fundos que controlam a operadora. A maioria das empresas não abre as informações por executivo - divulga o valor global da remuneração e, em muitos casos, sequer revela quantas pessoas são contempladas. As companhias evitam falar sobre o tema, alegando questões de segurança e estratégia. "A remuneração variável é o grande fator de atratividade nas empresas hoje", afirma Jorge Viani, gerente do HayGroup, consultoria de recursos humanos. Estudo feito pelo HayGroup com 160 empresas mostra que a parcela fixa (salário mais benefícios) não representa mais do que a metade do valor total pago aos presidentes dessas companhias. Nos cargos de diretoria, essa proporção é maior: entre 70% e 78%. Segundo Viani, o pagamento de bônus nessa amostra aumentou 15% de 2003 para 2004. A adoção de componentes variáveis para recompensar os executivos é considerada positiva pela secretária-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Heloisa Bedicks. "É um incentivo para o executivo melhorar o resultado da empresa", ressalta. "Mas esses resultados precisam ser compatíveis com o pagamento." Benefícios como bônus e opções de compra de ações precisam ser aprovados e monitorados pelo conselho, acrescenta Heloisa. O debate sobre os prós e contras da remuneração variável ganhou luzes após escândalos como os da Enron e Worldcom, onde a relação promíscua entre administradores e seus planos de opções de compra de ações teve papel significativo nas fraudes. A lei Sarbanes-Oxley, de 2002, fechou o cerco às empresas listadas em bolsa, obrigando-as a criar comitês de remuneração no conselho de administração. Para companhias estrangeiras, os comitês não são obrigatórios. Mesmo assim, algumas brasileiras decidiram implantá-lo. É o caso do Itaú, que substituiu um comitê de opções de ações por um responsável por discutir a remuneração. Para Viani, os escândalos estão levando a um fortalecimento dos conselhos e, nos próximos anos, os comitês de remuneração devem ganhar importância. "No Brasil, por muito tempo os conselhos foram figura burocrática. Agora, estão se profissionalizando", diz.