Título: Postura em cassações é o primeiro teste
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2005, Política, p. A4

Crise Discurso deixa em aberto possibilidade de serem negociadas penas diferenciadas para parlamentares

O novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo, assumiu publicamente que levará adiante os processos de cassação contra parlamentares acusados de envolvimento no suposto esquema do mensalão. Nas entrelinhas de seu discurso, no entanto, sinalizou que defende penas diferenciadas: "Terei coragem para enfrentar os processos que atingem deputados, para condenar quem tiver culpa, mas também terei coragem e isenção para defender quem não tiver culpa", disse Aldo. "A Casa deve ter coragem de agir com equilíbrio e com justiça, porque onde não há equilíbrio não há justiça." Esse trecho do discurso de Aldo foi acertado na noite anterior, em jantar na residência do deputado, que contou com a presença do ministro Jaques Wagner (Relações Institucionais) e líderes partidários. Na mesma reunião, os políticos discutiam ainda uma maneira de minimizar qualquer efeito negativo da vinculação de Aldo com o Palácio do Planalto. O deputado deveria dizer, na tribuna, que a cadeira de presidente não serviria ao governo nem à oposição, pois a Câmara não é anexo do Planalto. Mas, no discurso de posse, limitou-se a dizer que a Câmara "é um espaço independente que pertence única e exclusivamente a seu titular maior, que é o povo". Disputada voto a voto, a eleição na Câmara transcorreu num ambiente civilizado, com direito a cenas de diplomacia. Empossado, Aldo convidou José Thomaz Nonô (PFL-AL) para reassumir, a seu lado, a cadeira de vice-presidente da instituição. Nonô reconheceu a derrota, sem abandonar seu tradicional tom sarcástico. "Foi uma disputa dura. Cada um jogou com as armas que tinha. Nós ganhamos a batalha da mídia e da sociedade", avaliou. Diante de insistentes perguntas dos jornalistas sobre o impacto da liberação de verbas no resultado, Nonô admitiu que o uso da máquina pode sim ter feito a diferença. Assim que foi proclamado o resultado do primeiro turno, governo e oposição se enfrentaram numa busca frenética por votos no PP, PTB e PDT que garantiria a vitória à presidência da Câmara. Empatados com 182 votos, Aldo e Nonô usaram de todos os instrumentos possíveis para vencer no segundo turno. Enfraquecido para negociar pura e simplesmente a liberação de emendas, o governo apostou no que podia: a manutenção de cargos nos ministérios - além dos escalões inferiores -, a definição de grandes obras no orçamento e a sobrevivência política de legendas e parlamentares. Ministros participaram de reuniões de bancada e saíram em procissão à cata de votos. O aliado mais cobiçado era Ciro Nogueira (PP-PI), corregedor-geral da Casa e o principal aliado de Severino Cavalcanti, que obteve 76 votos no primeiro turno. O PP tinha até ontem 54 deputados. A segunda aliança fundamental era com o PTB do ex-deputado Roberto Jefferson, que lançou a candidatura própria de Luiz Antônio Fleury (SP), detentor de 41 votos numa bancada de 46. O governo levou vantagem na conversa com o PP. Obrigado a renunciar, Severino Cavalcanti deixou a presidência da Câmara sentindo-se traído pela oposição, especialmente pelo PFL e PSDB, que lideraram o movimento pela abertura de processo de cassação do pepista. Mesmo deixando a Casa, o governo decidiu preservar todos os cargos do PP apadrinhados por Severino, especialmente o do Ministro das Cidades, Márcio Fortes. O ministro telefonou para todos os deputados da bancada e pediu apoio a Aldo. Minutos antes de o líder do PP, José Janene (PR), oficializar o apoio a Aldo no segundo turno para garantir os cargos do partido, Márcio Fortes chegara para uma reunião com a bancada. Severino telefonou para Aldo Rebelo logo após o ex-ministro ter feito o primeiro discurso em plenário. Acenava com um acordo. Ciro Nogueira apoiaria Aldo, desde que tivesse carta branca no Ministério das Cidades para definir os graus de prioridades na destinação de verbas. O ministério é um dos de maior capilaridade e interface com prefeituras e governos estaduais, o que é fundamental numa eleição. A oposição também tentou de tudo para seduzir Ciro Nogueira. Os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Heráclito Fortes (PFL-PI) saíram às pressas do Senado para uma conversa com o afilhado de Severino Cavalcanti. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) foi escalado pelo grupo para telefonar a Severino e identificar afinidades de última hora entre pernambucanos. Nas negociações com o PL, o governo fez uma espécie de jogo invertido. Deixou claro aos parlamentares que o partido se desintegra. Perde sete deputados por dia. O presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, foi obrigado a renunciar, o líder, Sandro Mabel (GO), corre o risco de ser cassado. "Governo pode fazer o bem ou o mal. Deixamos claro que poderíamos fazer o mal", explicou um articulador da candidatura de Aldo. O mal, no caso, seria retirar o ministério dos Transportes das mãos do PL. O ministro Alfredo Nascimento empenhou-se como nunca na eleição de Aldo. No PDT, a negociação também foi delicada. O presidente nacional da legenda, Carlos Luppi, decidiu na manhã de ontem que a bancada deveria apoiar a candidatura de Alceu Collares (RS). Colares conseguiu os 18 votos da bancada. No segundo turno, o PDT decidiu liberar a bancada. Um grupo considerado decisivo pelos dois candidatos era a bancada evangélica, integrada por 60 deputados. Logo após o primeiro turno, os dois tiveram reunião com os deputados. Ambos foram questionados sobre projetos polêmicos, como a legalização do aborto e a reforma política. Foram mais ou menos evasivos em relação ao aborto, mas consideraram que a reforma possível, no momento, é a eleitoral - a reforma política deve ficar para depois. Assim como quase todas as correntes da Casa, os evangélicos também dividiram-se ao meio. (Colaborou Thiago Vitale Jayme)