Título: Renúncia de Temer expõe racha no PMDB
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2005, Política, p. A8

A eleição para a presidência da Câmara expôs de maneira dramática a situação do PMDB em relação às eleições de 2006: um partido dividido, no qual os laços de confiança parecem irremediavelmente quebrados. Prova disso foi o discurso no qual o presidente nacional da sigla, o deputado Michel Temer (SP), renunciou à sua candidatura, momentos antes de se iniciar a votação. "Meus amigos, tenho a mais absoluta convicção de que, em política, muitas vezes, há esperteza ou um confronto partidário, pessoal, mas tudo tem um limite, que é a ética", disse, antes de passar a detalhar as circunstâncias nas quais se tornara candidato com o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e do ex-presidente José Sarney (AP), que depois o abandonariam para apoiar o candidato oficial do governo, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Ferido, Temer chegou a citar artigo de um jornalista segundo o qual "o presidente do Senado comete falta de decoro e crime de prevaricação (ao apoiar Aldo contra o candidato de seu partido), perdendo a autoridade para conduzir qualquer reforma política que trate de fidelidade partidária". Renan preferiu não responder, mas a amigos disse que resguardaria "o fígado para comemorar" a vitória do candidato oficial, Aldo Rebelo. Sarney discursou no Senado, mas também não tocou no assunto. Apesar das rixas internas, poucas vezes se viu no PMDB um ataque com tanta virulência verbal, ainda mais partindo do presidente do partido contra dois outros expoentes da legenda. O incidente põe em dúvida a decisão pemedebista de realizar prévia para a escolha de candidato próprio à Presidência da República, conforme decisão da Executiva Nacional da sigla. O mais curioso é que o choque entre Renan e Temer pode ser resultado de um mal-entendido, segundo todos os líderes partidários que participaram das articulações que levaram à candidatura de Temer. De fato, como contou o deputado, o presidente do Senado prometeu apoio à sua candidatura e em seguida o colocou ao telefone com Sarney, que também o estimulou a seguir em frente. À noite, Renan participou de uma reunião no Palácio do Planalto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Jaques Wagner (Relações Institucionais). Nessa conversa, sugeriu a Lula que o apoio do PT e dos demais partidos da base aliada garantiria a vitória de Temer para o governo. A proposta contou com o apoio de Jaques Wagner, mas foi vetada por Palocci. Ainda assim, Renan deixou o Planalto com a notícia de que Lula concordara em apoiar o nome do presidente do PMDB. Ao saber da notícia, o deputado Jader Barbalho (PA) telefonou para o colega Eliseu Padilha (RS) para assegurar-se dos votos gaúchos - com o aval do governo, a candidatura Temer se tornara viável. Em seguida, telefonou para Geddel Vieira Lima (BA) e pediu que ele passasse essa avaliação a Jaques Wagner, interlocutor freqüente do deputado baiano no Palácio do Planalto. No dia seguinte, no entanto, aos poucos o PMDB foi sendo informado de que a decisão do Planalto mudara. A avaliação da cúpula do PMDB é que, entre 21h da quarta-feira passada, quando Renan deixou o Planalto, e a meia-noite, acabou por prevalecer a posição de Palocci. Além disso, é sabido que Lula tem dificuldades em relação a Michel Temer, por seu desempenho na última reforma ministerial: o presidente do PMDB exigiu que a negociação fosse institucional e aceitou indicar os nomes dos ministros do PMDB. Depois, voltou atrás. O fato é que Renan, logo em seguida, passou a articular o nome de Aldo Rebelo, sem avisar Michel Temer do que acontecera. Ao tomar conhecimento da movimentação de Renan, Temer disse que, se fosse verdade, seria uma atitude "reles". Cessaram as conversas entre os dois. Temer, no entanto, desconfia que Renan o usou enquanto articulava a candidatura de Aldo Rebelo com o Planalto, em segredo. O próprio Renan conta que o problema é que Temer não conseguiu viabilizar a própria candidatura, conseguindo apoios no PFL e no PSDB. Ao renunciar, Temer recomendou o voto em Nonô e disse ter a certeza de que seus companheiros do PMDB não agiriam "como sacripantas". Estima-se que Temer tenha conseguido transferir pelo menos uns 35 votos do partido para a candidatura de José Thomaz Nonô. A bancada tem 87 deputados no total. Renan e Sarney, assim como toda a ala governista do PMDB, deram apoio explícito à proposta de realização de prévias para a escolha do candidato do partido nas eleições de 2006. O incidente de ontem revela que a decisão pemedebista não está tão definida assim.