Título: A trágica farsa do desarmamento
Autor: Adilson Abreu Dallari
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2005, Opinião, p. A10

Proibição da venda de armas viola o direito constitucional de proteção à vida

Antes de tudo, é preciso deixar bem claro que não haverá desarmamento algum. O referendo de 23 de outubro, seja qual for o resultado, não vai retirar uma única arma dos bandidos. Apenas vai impedir que pessoas de bem possam vir a adquirir uma arma, para tê-la em casa, sítio ou fazenda, visando a defesa de sua família contra invasores. A falácia do desarmamento em nada melhora a segurança pública e não resiste a uma análise racional, à luz dos fatos concretos. Numa visão jurídica, a proibição absoluta da venda de armas viola o direito constitucionalmente assegurado a cada cidadão de proteger, com os meios para isso necessários, sua vida, sua incolumidade física, sua dignidade, seu patrimônio e sua família. Quem quer os fins, dá os meios. Ou seja, o direito de ter uma arma para sua própria defesa é um direito implícito, que tem pleno amparo no § 2º do art. 5º da CF. A segunda emenda à Constituição dos EUA assegura expressamente o direito de ter e portar armas ("the right of the people to keep and bear arms shall not be infringed"). Diante disso, lá se discute se a lei pode restringir tal direito. No Brasil, aceita-se que a lei pode estabelecer restrições, como a proibição do porte de armas e o condicionamento da posse de arma em domicílio. Todavia, tanto lá como aqui, a lei não pode abolir, extinguir, aniquilar um direito assegurado expressa ou implicitamente pela Constituição. É inquestionável que no direito brasileiro não existe regra alguma no sentido de que cada um deve se conformar em ser vítima de assalto, seqüestro, estupro ou assassinato, pois somente ao Estado caberia punir o criminoso. O dever do Estado de prover a segurança pública não significa proibição da segurança privada. Defender-se ou não, ter ou não ter uma arma, reagir ou não contra quem invadir a sua casa é uma opção pessoal, que vai depender das circunstâncias de cada caso. Convém deixar bem claro que o Estatuto do Desarmamento não será afetado pelo referendo. De qualquer forma, serão mantidas as restrições ao comércio de armas, que, atualmente, só podem ser adquiridas por maiores de 25 anos, sem antecedentes criminais, com residência certa e emprego permanente, e que tenham passado por um exame de aptidão técnica e psicológica para isso. Para que, então, proibir que tais pessoas tenham uma arma em sua residência ? Argumenta-se que as armas das pessoas de bem, ao serem roubadas, alimentam o comércio ilegal de armas. Tal argumento parte do princípio de que nossas casas continuarão sendo roubadas. Mas, mesmo que continuem sendo assaltadas, é indiscutível que a maior parte das armas usadas no crime é fruto de contrabando. Uma pequena parte das armas aprendidas é registrada, porém, entre as armas registradas roubadas, a maior parte foi adquirida pelas polícias, guardas municipais e pelo imenso exército de seguranças privados. Tais armas não são de propriedade dessas pessoas, que não hesitam em entregar a arma a qualquer assaltante (havendo um bom número de simulações de assaltos), sobrando uma parcela infinitesimal para os particulares que compram uma arma para ter dentro de casa.

Proibição agravará o desemprego, dará prejuízo superior a R$ 1 bilhão ao erário e estimulará o contrabando

Os que pretendem abolir o direito de defesa alegam que isso diminuirá o homicídio fortuito, como é o caso de brigas de bar, de trânsito e decorrentes de violência doméstica. Entretanto, o respeitável jornalista especializado Percival de Souza, em matéria publicada na "Tribuna do Direito" (jornal da OAB/SP) de setembro, noticia que 72,3 % dos homicídios se referem ao somatório de morte de bandidos (em confrontos entre eles ou com a polícia), vítimas de assaltos, execuções sumárias e morte de policiais. Apenas 0,9 % se refere a brigas em bares e festas e tão somente 0,5 % corresponde a brigas em família e suicídios. Somente uma parcela desta última categoria é que poderia ser afetada pela proibição de venda de armas. Ou seja; quase nada. Já a "Revista Trip" nº 79 mostra que a maioria dos homicídios tem como vítimas jovens de 14 a 25 anos e que pesquisa feita entre 1979 e 2003 comprova que esse índice vêm crescendo assustadoramente. Embora os jovens correspondam a apenas 20% da população, eles formam o maior contingente de mortos. Coincidentemente, nessa faixa de idade se concentra os maiores índices de desemprego e de envolvimento com o tráfico de drogas. Esse quadro não será afetado pelo referendo, que desarmará apenas pessoas sem antecedentes criminais com idade superior a 25 anos. O poder público não pode criar restrições à liberdade individual senão na medida do estritamente necessário para proteger um interesse público, da coletividade. Atenta contra a ordem jurídica criar uma proibição sem correspondência com um interesse geral. É um absurdo extinguir uma garantia constitucional, prejudicando toda a coletividade, para, supostamente, proteger uma minoria, que pode ser muito melhor protegida por outros meios. Numa perspectiva econômica, a proibição é desastrosa, pois vai agravar o sério problema do desemprego e vai causar uma sensível lesão ao erário (acima de um bilhão de reais), pois a aquisição legal de armas implica o pagamento de elevadas taxas e os registros precisam ser renovados a cada três anos. Já o contrabando não gera nem receita nem empregos, mas será estimulado, como no tempo da Lei Seca nos EUA e da restrição à importação de bens de informática no Brasil. A proibição da venda de armas é mais um passo para a implantação do Estado totalitário, no qual a autoridade determina o que é bom e o que não é bom para cada súdito. Todas as ditaduras começaram por proibir a posse de armas por cidadãos de bem. O atual governo não esconde seus propósitos ditatoriais, acreditando que os fins justificam os meios. Hoje está sendo suprimido o direito de defesa. Amanhã, qual direito será suprimido? Quando os sem-teto vão começar as ocupações de imóveis urbanos habitados? O MST, que é favorável ao desarmamento, já ocupa prédios públicos e agências bancárias, toma praças de pedágio e invade fazendas produtivas.