Título: Abastecimento em 2010 já preocupa
Autor: José Rodrigues
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2005, Valor Especial / ENERGIA, p. F5

Gás O consumo está crescendo em ritmo acelerado, principalmente nos setores industrial e de transportes

A corrida para a utilização do gás natural na geração de energia - setor que cresce a um ritmo superior a 6% há algum tempo - já dá sinais de alerta quanto ao abastecimento do mercado por volta de 2010. Projetos e contratos, tocados pelos setores estatal e privado, revelam uma autêntica maratona em torno do consumo do produto, responsável pela alteração da matriz energética brasileira. Dos desprezíveis 0,8% de participação na matriz em 1980, o gás, saltou para 6,5% em 2001, chegou a 8,95% em 2004 e deve ultrapassar essa marca em 2005. Já a participação do petróleo e derivados, que era de 60,7% em 2001, caiu para 56,1% no ano passado. Em 2004, a produção de gás natural subiu 7,5% para 16.971 milhões de m3 e neste ano, de janeiro a julho, segundo o Ministério das Minas e Energia, chegou a 10.307 milhões de 3, o que representa mais 5,5% sobre igual período do ano passado. O parque industrial brasileiro, que vinha sentindo os efeitos dos custos dos derivados do petróleo, viu-se estimulado a buscar alternativas com o apagão de 2001. As indústrias foram responsáveis por 56% do consumo de gás, seguidas pelas termelétricas (29,1%), setor automotivo (12%), residencial (2%) e comercial (1%). Em 2004, a indústria consumiu 7.572 milhões de 3 do produto, mais 14% sobre o ano anterior. Outro fator de sustentação do aumento da demanda foi dado pela Petrobras, ao garantir que o preço do gás natural direcionado ao transporte urbano de passageiros não ultrapassará 55% do preço do óleo diesel nos próximos dez anos. Para a Comgás, maior distribuidora de gás natural canalizado do país, que serve à Região Metropolitana de São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba, no total de 470 mil clientes, a demanda tem peso crescente. "Estamos crescendo a uma taxa média de 21% anuais nos últimos cinco anos, com investimentos previstos de R$ 1,2 bilhão de 2004 a 2009", revela André Araújo, diretor de mercados industrial, automotivo e grande comércio. Depois da rede da empresa atingir a 52 municípios, prepara-se para entrar em Santos e São Vicente, na Baixada Santista, em Cajamar, na Grande São Paulo, Pedreira, Amparo, Caieiras, Araras e Cabreúva, no interior paulista. Com 4 mil km, a Comgás está ampliando sua rede canalizada em mais 600 km em 2005, dado que o diretor da empresa compara com a extensão do gasoduto Brasil-Bolívia, de 3.215 km. Mesmo com o alto crescimento da demanda industrial e dos transportes -- cerca de um milhão de veículos já estão convertidos para o uso do gás, com crescimento de 20% ao ano - o fiel da balança são as usinas termelétricas. "Agora, os reservatórios estão cheios de água, porque houve sobras com o racionamento. Mas, se todas as termelétricas forem ligadas a gás, o Brasil só atenderá ao Sul-Sudeste e Centro-Oeste, com 56% e ao Nordeste, com 30%. Nesse ritmo da economia brasileira, vamos ter problemas com gás até 2010. Há uma falta do produto escondida", diz o professor e economista Adriano Pires, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ex-assessor do Conselho Nacional do Petróleo e membro do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. As termelétricas têm capacidade de consumo equivalente entre 32 milhões de 3 e 45 milhões de 3 por dia. Segundo Pires, "os investimentos em produção e transporte no Brasil são estatais, em alguns casos associados a empresas privadas. A distribuição fica entre empresas estaduais e duas privatizadas, a Comgás, em São Paulo e a CEG, no Rio de Janeiro. O setor é regulado pela Lei 9.478/97, a Lei do Petróleo, que trata o gás como um derivado e não como fonte de energia. O primeiro passo para estimular o setor privado a investir é ter legislação própria para o gás, hoje tratado de forma secundária". A Petrobras joga pelo lado da oferta, a partir do patrimônio medido das reservas nacionais da ordem de 326 bilhões de 3 , número 56% maior que o registrado há dez anos, quando as medições chegaram a 208 bilhões de 3. As expectativas são de que o quantitativo, nos próximos dez anos, atinja praticamente o dobro de 2004, com 657 bilhões de 3 . O Brasil mantém o canal de importações aberto, iniciado em 1999, quando foram adquiridos 400 milhões de 3 de gás natural, número que aumentou mais de 20 vezes em 2004, quando atingiu a 8,026 bilhões de 3. De fato, o gasoduto Brasil-Bolívia, com capacidade de transporte de 30 milhões de 3 diários, vinha sendo subutilizado. A demanda acentuada deve, agora, elevar o escoamento diário para 34 milhões de 3. Importante para o abastecimento do mercado são as recentes descobertas da Petrobras na Bacia de Santos, conhecidos como blocos BS-400 e BS-500. Situado no litoral paulista, o BS-400 teve suas reservas avaliadas em 78 bilhões de 3 e a produção média diária de 12 milhões de 3. A entrada em operação desse bloco deve ocorrer até o segundo semestre de 2008, com antecipação de dois anos. O bloco BS-500, no litoral fluminense, "ainda está sendo cubado", segundo Adriano Pires. Ele calcula que a produção desse campo só ocorra por volta de 2013, mas a Petrobras prevê a produção para 2010. "A característica desses campos é vantajosa para a exploração, pois não são associados, isto é, possuem gás em condições livres, não misturados ao óleo", afirma.