Título: Alca não é a prioridade, dizem latinos
Autor: Chico Santos e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2004, Brasil, p. A-2

A perspectiva de reabertura do diálogo para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que surgiu com o final do processo eleitoral norte-americano, que reelegeu o presidente George W. Bush, não chegou a provocar entusiasmo entre representantes de países sul-americanos que se manifestaram ontem sobre o assunto. O chanceler do Brasil, Celso Amorim, disse não ter nada contra a aceleração das negociações da Alca, mas enfatizou, mais de uma vez, que a prioridade brasileira é avançar nas negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). "As negociações no âmbito da OMC são as mais importantes, são as prioritárias, são as fundamentais", afirmou o chanceler. Segundo ele, o que o Brasil mais busca em relação ao comércio internacional "é a eliminação de subsídios e das grandes distorções" comerciais e isso "só ocorrerá na OMC". E citou as recentes vitórias brasileiras nas questões do algodão e do açúcar, respectivamente, contra os EUA e a União Européia como ilustração. De acordo com Amorim, resultados como esses dois "jamais" seriam obtidos no âmbito da Alca ou de um acordo do Mercosul com a União Européia. O chanceler do Peru, Manuel Rodriguez Quadros, também deixou claro que as negociações para criar a Alca não estão entre as prioridades maiores do seu país. "Nós estamos negociando com os Estados Unidos um tratado de livre comércio, com elementos comuns com Equador e Colômbia", disse. Segundo ele, fazer esse tipo de acordo é mais importante para seu país, que tem um mercado interno "relativamente pequeno", do que trabalhar na busca de acordos de abrangência maior. "Neste momento, nossas prioridades são as negociações bilaterais com os Estados Unidos. Evidentemente, somos a favor da Alca, dentro de critérios de equilíbrio e de forma a contemplar os interesses de todas as partes envolvidas", afirmou Quadros, após destacar que nem todos países latino-americanos têm o mesmo grau de desenvolvimento da estrutura produtiva. "A gente faz na vida coisas prioritárias e outras que são importantes, mas que não são a prioridade primeira", arrematou Amorim, ao deixar claro que com sua posição não estava desconsiderando a perspectiva de uma rápida retomada da negociação da Alca. "Não tenho nada contra que se acelere as negociações, desde que seja nos trilhos que propusemos e que eles (EUA) aceitaram em Miami". Diante das dificuldades para se chegar a um acordo amplo para a criação da Alca, cuja instalação estava inicialmente prevista para 2005, ficou acordado, por sugestão do Brasil, na última reunião de chanceleres em Miami, o que se convencionou chamar de "Alca light". Pela proposta, seria firmado um acordo geral, sem descer a detalhes onde não houvesse acordo. Os países-membros que tivessem interesse aprofundariam suas relações em acordos bilaterais ou mesmo envolvendo blocos regionais. Na 18ª Cúpula do Grupo do Rio, que termina hoje, ficou evidente o esforço dos países latino-americanos em busca de aprofundamento de acordos dentro da região. Após o fechamento do acordo entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e os países do Pacto Andino (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela), os países iniciam agora as negociações para associação entre o Mercosul e o Sistema de Integração Centro-Americano (Sica), formado por Panamá, Costa Rica, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Guatemala, Belize e República Dominicana. Durante a reunião do Rio, foram também iniciadas as conversações em busca da criação da Comunidade Sul-Americana das Nações, que, segundo o chanceler Celso Amorim, pode vir a ser o embrião de uma futura União Sul-Americana. A Comunidade Sul-Americana de Nações será anunciada em dezembro, em encontro marcado para Ayacucho, no Peru. Segundo o ex-presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, hoje presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, no dia 8 de dezembro, em Cuzco, também no Peru, antes da criação da Comunidade das Nações, será anunciada a criação da Área de Livre Comércio Sul-Americana. Ainda há necessidade de alguns acordos entre países e os blocos já existentes (Mercosul e Pacto Andino) para que a Área de Livre Comércio possa se concretizar. Para Duhalde, não se trata de alternativa à Alca, mas ressaltou que após se conseguir uma integração sul-americana deverá haver uma evolução para uma comunidade latino-americana, possibilitando que a Alca seja criada "dentro de um processo mais equilibrado do que foi originalmente proposto".