Título: Filhos do silêncio
Autor: Daniele Camba e Luciana Monteiro
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2005, EU &, p. D1

Com o fim do pregão viva-voz hoje, investidor ganha no preço da ação

O fim do pregão viva-voz da Bovespa hoje marca o início de uma nova era do mercado de capitais: o da agilidade, maior transparência, preços mais competitivos e custos menores. Isso graças à migração integral a partir de segunda-feira dos negócios para o sistema eletrônico. Para os grandes investidores, a mudança pode ser tênue, já que sempre tiveram acesso direto ao melhor serviço oferecido pelas mesas de operações das corretoras. No caso dos pequenos, é um divisor de águas, pois no sistema eletrônico as ordens de compra e venda são tratadas igualmente, não importando o tamanho da operação. Se não fosse o desenvolvimento do eletrônico, não seria possível também a criação do home broker - negociação via internet - que começou em 1999 e só tem crescido. O principal impacto do fim do pregão para o bolso do investidor está no preço das ações. Com a existência de um pregão viva-voz e um sistema eletrônico, sempre existia uma diferença de cotação de papéis, por menor que fosse, já que a Bovespa limitava o intervalo a 2%. Ou seja, dependendo de onde operasse, o investidor poderia comprar uma ação mais cara ou vender mais barato do que estaria no outro sistema. "A partir de segunda-feira, ninguém terá privilégio de estar neste ou naquele sistema, todos terão as mesmas oportunidades de investimento", diz o diretor de pregão da Bovespa, André Demarco. Outro fator importante para a melhor formação de preços é o fato de o eletrônico, batizado de Megabolsa, "procurar" a melhor oferta. Se alguém quer comprar uma ação e há dois vendedores, um por R$ 1,10, por exemplo, e outro a R$ 1,12, o sistema fecha o negócio com a cotação mais baixa e procura outro comprador disposto a pagar mais ao vendedor a R$ 1,12. A existência apenas do eletrônico também significará regras mais claras no fechamento dos negócios. Entre duas ofertas para uma determinada ação - ambas com o mesmo preço -, leva a melhor aquela que entrou antes no sistema, muito diferente do pregão, em que executa a operação quem gritar mais alto. Demarco lembra que muitas vezes o operador fechava negócio com o seu amigo e que não necessariamente era a melhor oferta. O operador do pregão também levava uma certa vantagem, pois poderia comprar ou vender uma ação no eletrônico, caso a oferta fosse mais interessante. No entanto, o contrário era proibido. Como apertar um botão de computador é muito mais ágil do que ficar gritando à procura de alguém disposto a fazer negócio, o eletrônico possibilitou um aumento significativo tanto no número de negócios quanto no volume financeiro, mais um fator que contribuiu para a melhora da liquidez de muitos papéis, consequentemente, para a redução da diferença dos preços - os "spreads". "O eletrônico proporcionou liquidez em papéis que no pregão não tinham como disputar a atenção dos operadores com as 'blue chips'", diz João Pimenta, diretor da corretora Santander Banespa e que foi operador. Os números falam por si em termos de agilidade. Segundo Demarco, hoje, em menos de um segundo, o investidor já tem a resposta se o seu negócio foi ou não executado. Ele afirma que, ao longo dos anos, o Megabolsa reduziu os custos das corretoras e deve cair ainda mais com o fim do viva-voz - o que, em tese, deve beneficiar o bolso do investidor. A primeira tentativa de colocar a bolsa no mundo tecnológico ocorreu em 1989, com a implantação de um sistema conhecido como Cats, que funcionava nos intervalos do pregão e apenas para os papéis sem liquidez. Só em 1997 começou o Megabolsa, que funciona no mesmo horário do pregão e para todas as ações. Em 96, a bolsa registrava em média 9.367 negócios ao dia, sendo apenas 24,73% no eletrônico. Já em 2000, que, segundo Demarco, foi a grande mudança de cultura do mercado, a média era de 22.432 negócios ao dia. O eletrônico já respondia por 79,24% desses negócios e hoje é 99,86%. Em termos de volume, o aumento também é significativo: cresceu de R$ 397 milhões ao dia, em 96, para R$ 1,552 bilhão hoje. O viva-voz também tinha os custos dos possíveis erros cometidos pelos operadores, estes mais difíceis de ser mensurados. "Uma ordem de compra ouvida errada poderia custar milhões ao cliente", diz Pimenta. Até os operadores mais resistentes ao eletrônico concordam que a tecnologia trouxe segurança aos negócios. "Em momentos muito movimentados, era praticamente impossível passar sem um deslize", diz Juarez Caldeira, um dos 40 operadores que ainda estão no pregão hoje. Graças ao eletrônico foi possível oferecer à pessoa física um sistema de negociação via internet - o home broker -, que começou tímido, em 99, representando apenas 0,58% do número de negócios e hoje já significa 16,86%, com a participação, em agosto, de 36.899 investidores, perdendo apenas para março, com 37.831 pessoas físicas.