Título: Com Lei Serra, reajuste ficou abaixo d
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2005, Brasil, p. A4;5

Regulação Aumento de preço do plano individual passou a ser fixado pela média dos contratos coletivos

Aprovada em 1998, sob intensos embates entre operadoras de planos de saúde e entidades de defesa dos consumidores, a Lei Serra (nº 9.656) está no cerne do problema regulatório do setor. Na tentativa de proteger os consumidores contra os abusos cometidos pelas seguradoras, a nova lei criou duas obrigações cruciais para os planos de saúde: as seguradoras têm de atender a todos os tipos de cobertura, principalmente nos planos individuais, e os preços são controlados pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Na prática, a ANS passou a fixar reajustes para os planos individuais de acordo com a média dos planos coletivos. Resultado: os índices de reajustes tornaram-se muitos inferiores aos custos médicos e hospitalares. Ao reajustar os preços pela média cobrada pelas empresas, a ANS acabou punindo as operadoras que têm reajustes maiores, em detrimento das que apresentam reajustes menores. O método não tem correlação com as variações de custo observadas nas operadoras, concluiu o secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg. Mas sim, com a capacidade dessas de "vender" seus reajustes às empresas clientes, completou. Para agravar o problema, as planilhas de custos das seguradoras não eram levadas em consideração pela ANS na definição dos reajustes. Ou seja, se a variação de uma seguradora fosse maior que o índice de reajuste da agência, ela não teria como fazer valer a sua variação. O mesmo ocorria com as seguradoras com variação menor que o índice oficial. O acordo feito entre a ANS, o Ministério da Justiça e as operadoras foi "costurado" justamente para evitar que esse problema continuasse. Colocou-se, como critério para reajuste, a eficiência das empresas. "O acordo trouxe uma regra que estancaria os prejuízos das empresas", explicou o presidente da ANS, Fausto Santos. E o seu questionamento na Justiça estaria levando a situações de total insegurança no mercado, segundo Santos. Antes de o TRF de Pernambuco suspender o acordo, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão revolucionária para o setor. Os ministros do STF decidiram, em 2003, que a Lei Serra não poderia ser aplicada para os contratos antigos. Ou seja, esses contratos não precisavam seguir os índices de reajuste da ANS, nem as regras regulatórias da agência. O resultado foi imediato. Para compensar perdas com o controle de preços imposto pela Lei Serra, as seguradoras determinaram reajustes imediatos aos contratos feitos antes da lei. Os aumentos foram brutais, variaram entre 18% e 86%. Isso ocorreu porque as seguradoras tiveram uma compreensão de que deveriam recuperar perdas, explicou Fausto Santos. Como a decisão do STF foi tomada em 2003, as seguradoras contabilizaram os cinco anos de vigência da Lei Serra para aumentar as mensalidades. Hoje, o setor vive uma divisão por causa da decisão do Supremo. Há planos antigos (firmados antes de 1998), que não precisam seguir a ANS, e planos novos (após 1998), que devem seguir a agência. O problema, segundo a ANS, é que a decisão do STF está em caráter liminar. Ou seja, provisório. "Essa situação traz uma insegurança jurídica muito grande", insiste Fausto Santos. Agora, há o risco de o acordo - feito justamente para zerar o prejuízo do setor - ser barrado pelo STJ. A ação contra o acordo foi proposta pela Aduseps para que o reajuste dos planos antigos fosse estabelecido no teto de 11,69%. O objetivo da entidade foi proteger os consumidores de planos antigos de reajustes abusivos. O efeito da ação, porém, pode ser o de levar todo o setor para uma situação de ampla insegurança e as empresas, para uma situação pré-falimentar, segundo avaliação do governo. Insegurança, porque se o Judiciário trouxer para si o poder de fixar os reajustes, a ANS ficará esvaziada e as seguradoras não terão mais a certeza sobre quais regras seguir. E a dificuldade financeira das empresas viria de um problema concreto, que é como seguir regras incompatíveis com os custos operacionais. O Valor teve acesso a dados da Procuradoria Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia Geral da União (AGU), enviados ao Supremo. Eles indicam que, pelo acordo, os reajustes de duas grandes operadoras para os biênios 2004/2005 e 2005/2006, somados, não ultrapassariam 37,85%. Mas, podem chegar a 81,61% apenas no primeiro biênio, se o acordo cair. Os reajustes, pelo acordo, são de 11,75% para o primeiro biênio, e 26,10% para o segundo, no caso da Sul América, totalizando 37,85% . No caso da Bradesco Saúde, 11,75% e 25,80%, resultando em 37,55%. Se o acordo cair por decisão do Supremo, essas empresas esquecerão as regras da ANS e passaram a aplicar as cláusulas previstas em seus contratos. Os reajustes, então, irão para 47%, no caso da Sul América, e para 81,61% com relação ao Bradesco, apenas em relação ao biênio 2004/2005. "Se a prestadora de serviços deixa de ser devidamente ressarcida dos custos e despesas decorrentes de sua atividade, não há, pelo menos no contexto das economias de mercado, artifício jurídico que faça com que esses serviços permaneçam sendo fornecidos com o mesmo padrão de qualidade", advertiu a procuradora-geral federal Célia Maria Cavalcanti Ribeiro. Para ela, o fim das regras propostas pela ANS pode levar as operadoras a não ter mais condições de prestar os serviços de atendimento aos segurados. Seria um desequilíbrio total no setor com milhares de consumidores prejudicados. O que leva o governo a temer que todos rumariam para o Sistema Único de Saúde (SUS).