Título: Futuro dos planos de saúde depende do STJ
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2005, Brasil, p. A4;5

Regulação Acordo feito pelo governo foi parar na Justiça, mas para a SDE não é só o reajuste que está em jogo

O futuro dos planos de saúde e um eventual risco de "apagão" neste setor, que deixaria 40 milhões de segurados sem cobertura e 2,3 mil empresas em situação financeira delicada, dependem do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal. Ele terá que decidir, nos próximos dias, se vale ou não o acordo que fixou a metodologia de reajuste para os planos. O setor está no radar de alerta do governo, que teme uma crise grave caso o acordo para estancar os prejuízos, firmado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e operadoras representadas pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg), seja derrubado pelo Judiciário. Em documento onde descreve a crise nos planos de saúde, o secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg, faz um alerta: o mercado está concentrado nos planos coletivos e não há mais planos individuais. "A SDE acompanha com todo o interesse o julgamento deste caso uma vez que há muito mais em jogo que o reajuste dos planos antigos", afirma. "Trata-se de decidir se teremos ou não saúde suplementar disponível para um consumidor que precisa dos planos individuais", completa Goldberg. A queda no atendimento a novos segurados é gritante. O Brasil possuía 38 milhões de segurados no início dos anos 90, quando a população era de 148 milhões de pessoas. Hoje, a população já está em 184 milhões com 40 milhões se segurados, segundo estimativas da Agência Nacional de Saúde. Ou seja, continua praticamente o mesmo, apesar do crescimento populacional. O mercado estacionou. O acordo, na prática, significou um novo sistema de reajuste pelo qual as seguradoras devem seguir a cotação da empresa mais eficiente. Funciona da seguinte forma: as seguradoras submetem números indicando os seus custos à ANS. A agência audita essas informações e chega ao percentual da empresa mais eficiente do setor. Este percentual passa a valer para a correção dos preços de todas as empresas do setor. Atualmente, o parâmetro é o percentual da Sul América, segundo informou a ANS. O objetivo do acordo, segundo órgãos do governo e empresas, é zerar os prejuízos das operadoras acumulados nos últimos anos. Hoje, as administradoras de planos de saúde gastam, em média, R$ 113 para cada R$ 100 arrecadado. Essa sinistralidade média, de 113%, é considerada fatal para o setor. Com a nova sistemática de reajuste, a taxa de sinistralidade voltaria a um patamar próximo de 100%, estacando os prejuízos das empresas. Isso foi considerado um passo para a definição de um marco regulatório para o setor. Duas entidades de defesa do consumidor- a Associação de Defesa do Consumidor e da Cidadania (Adecon) e a Aduseps (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde) -, entretanto, questionaram o acordo na Justiça. Elas alegaram que as regras para que as empresas chegassem ao prejuízo igual a zero, elevaria as prestações dos contratos mais antigos e pediram a aplicação de um teto de 11,69% de reajuste para todos os planos (referente às regras da Lei Serra). Teve início, então, um troca-troca de decisões entre diversas instâncias do Judiciário. A Adecon e a Aduseps perderam na 1ª instância e recorreram. Conseguiram liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) de Pernambuco reduzindo os reajustes dos planos antigos. A ANS recorreu contra esta liminar. O caso foi parar na mesa do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, que tomou, então, duas decisões absolutamente contraditórias. Primeiro, Vidigal foi favorável ao acordo da ANS. Essa decisão foi tomada em 15 de setembro passado e, na prática, levou à aplicação de reajustes de 11,69% para os contratos de planos de saúde firmados a partir da vigência Lei Serra, em janeiro de 1999; e de aumentos de 25,80% e de 26,10% para os contratos antigos (anteriores à lei). Logo após essa decisão, a revista "Veja" publicou reportagem mostrando que o presidente do STJ participou de seminário no Chile, para debater problemas no setor de saúde, com despesas pagas pela Amil. A Adecon e a Aduseps, ambas de Pernambuco, recorreram novamente e chegaram a marcar um "panelaço" nas ruas do Recife em protesto contra a decisão do ministro. No dia do "panelaço", em 23 de setembro, Vidigal, pressionado, reviu sua própria decisão. Sob a alegação de que o assunto é constitucional, e, assim, terminará inevitavelmente no Supremo Tribunal Federal (STF), Vidigal suspendeu o seu despacho anterior e remeteu o processo ao presidente daquela corte, ministro Nelson Jobim. O problema é que Jobim discordou totalmente de Vidigal. Ele entendeu que a regulamentação do setor está fundamentada em leis e, por isso, quem deve se posicionar é o STJ. A Constituição fornece apenas dispositivos genéricos, concluiu Jobim. "E as decisões desses recursos foram fundamentadas em normas estritamente legais", completou o presidente do STF, em despacho na quinta-feira passada, no qual reenviou o caso para Vidigal. Agora, caberá ao presidente do STJ decidir, em definitivo, sobre um setor estagnado. O Valor teve acesso a um documento da Fenaseg enviado à ANS e ao Ministério da Justiça, em julho. Segundo o estudo, a agência autorizou um reajuste de 51% de 2000 a 2004. E as despesas hospitalares dos planos cresceram 140% no período. O crescimento dos custos médico-hospitalares está acima da inflação medida por qualquer índice de preços, afirma a Fenaseg. O diretor-presidente da ANS, Fausto Pereira dos Santos, confirmou que a agência determina a liquidação de 15 a 20 seguradoras por mês. As empresas não estão mais fornecendo planos individuais devido às exigências da nova legislação que obriga o atendimento a todo o tipo de cobertura. Dados da Fenaseg mostram que antes da Lei nº 9.656, proposta e aprovada em 1998 pelo então ministro da Saúde, José Serra, existiam 104 mil segurados individuais com mais de 59 anos. Depois, apenas 18 mil novos segurados nessa faixa etária ingressaram no mercado. "As seguradoras não vendem mais planos individuais novos porque acham que são muito regulados", constatou o diretor-presidente da ANS. Segundo ele, só cooperativas e medicinas de grupo é que fornecem esses planos. Ao todo, as empresas atendem a 608 mil seguros individuais assinados antes da Lei Serra. Após a lei, há o atendimento a 201 mil seguros individuais. O número de segurados individuais que ingressaram após a edição da lei, é 60% menor que os que existiam antes dela.