Título: Fim dos subsídios agrícolas e desenvolvimento econômico
Autor: Arilton Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 03/10/2005, Opinião, p. A10

Eliminação de subvenções nos países ricos elevaria as exportações brasileiras em 7%

Em meio aos novos impasses para fechar um acordo do Mercosul com a União Européia (UE) e, em paralelo, com os Estados Unidos, visando à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), devemos levar em consideração as possíveis perdas dos produtores agrícolas americanos, europeus e japoneses para entender a resistência que será colocada na tentativa de eliminação dos subsídios agrícolas. A economia política moderna mostra que, quando grupos pequenos têm elevadas perdas devido a mudanças de regras, eles tendem a se organizar e a bloqueá-las, ainda que o resto da sociedade esteja tendo grandes ganhos. Isso porque o custo de organização e atuação desses pequenos grupos é menor e as perdas per capita são maiores do que na sociedade. É exatamente isso o que ocorre com os subsídios agrícolas pagos pelos governos da União Européia, Estados Unidos e Japão aos seus produtores agrícolas. Os gastos com subsídios agrícolas em 2002 foram de U$ 317 bilhões. Deste total, 81% são pagos pelos Estados Unidos, União Européia e Japão. Em alguns países, os gastos com subsídios chegam a representar 79% do total da produção agrícola. É o caso do Japão, onde a produção do setor é de cerca de US$ 70 bilhões por ano e as despesas com subsídios atingem US$ 55 bilhões. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a produção na UE é de US$ 232 bilhões e os subsídios alcançam 48% do total, ou US$ 112 bilhões. Os EUA não ficam atrás: produzem US$ 200 bilhões e gastam US$ 90 bilhões (45%) com subsídio agrícola. Nesses grupos pesquisados, os subsídios totalizam US$ 258 bilhões (51% da produção de US$ 504 bilhões), o que corresponde a 56% do PIB brasileiro. Porém, o fim dos subsídios não é a única perda para os produtores agrícolas nos EUA, UE e Japão. Existe ainda uma perda indireta que o fim dos subsídios traria. Os produtores agrícolas dos EUA, Europa e Japão, sem subsídios, não seriam capazes de competir no mercado internacional, por terem menor produtividade. Com isso, a demanda por terra cairia, reduzindo a renda da terra (preço da terra) na ordem de 85%. Ou seja, os produtores agrícolas e proprietários de terra desses países perderiam de duas formas. Primeiro, perderiam o subsídio (51%), reduzindo o preço recebido por unidade vendida de produtos agrícolas. Em seguida, o preço de aluguel da terra, que sofreria uma queda de 85%.

EUA, UE e Japão gastam US$ 258 bilhões com subsídios, segundo a OCDE, o que corresponde a 56% do PIB do Brasil

Nossa agricultura só não é mais explorada porque os países ricos, devido aos subsídios, aumentam sua produção e exportação, reduzindo os preços agrícolas no mercado internacional. A eliminação dos subsídios aumentaria a produção agrícola do Brasil e, por tabela, levaria a um crescimento da demanda da indústria e do setor de serviços. Por outro lado, a extinção dos subsídios na Europa, nos EUA e no Japão elevaria as exportações brasileiras em 7%. Toda a postergação de acordos (com a UE e os EUA) interessa aos produtores desses países que fazem protecionismo, embora não seja de interesse dos consumidores que têm que arcar com os impostos para pagar os subsídios. A saída para obter a eliminação dos subsídios agrícolas é negociar nos fóruns internacionais pertinentes como a Organização Mundial do Comércio (OMC), na qual o Brasil tem tido uma postura razoável. Os europeus diziam que não discutiriam subsídio agrícola e, hoje, acenam para a eliminação. Na Alca, os americanos querem que o Brasil abra as compras governamentais, mas não querem negociar no setor em que somos mais competitivos, o agrícola. Um dos principais componentes de qualquer acordo comercial é a reciprocidade na redução das tarifas aduaneiras. Logo, deverá ser parte do acordo para eliminação dos subsídios agrícolas uma redução nos impostos de importação, bem como o acesso às compras governamentais por parte do Brasil. Ambos os processos são bem vindos. Existem evidências empíricas de que um país pobre tem expressivos ganhos de produtividade ao aderir a um bloco comercial com uma nação mais desenvolvida. Dentre outras razões, esses ganhos surgem devido ao fato de que as empresas locais são obrigadas a adotarem tecnologias mais novas e mais produtivas para poder competir com suas congêneres estrangeiras. Desta forma, um acordo comercial que eliminasse os subsídios agrícolas e reduzisse as barreiras ao comércio no Brasil trariam duplo efeito sobre a produtividade e competitividade da economia brasileira: permitiria a expansão do eficiente setor agrícola brasileiro e geraria um aumento de eficiência nos demais setores da economia, devido ao aumento da competição. Deve-se enfatizar, entretanto, que o fim dos subsídios agrícolas não basta para o crescimento da economia brasileira. Existe ainda o problema dos altos impostos no Brasil. A carga tributária brasileira está na faixa de 36% do PIB. Este número é muito elevado para os padrões da América Latina. A cifra também é elevada quando comparada aos seus valores pretéritos. Para garantir o crescimento, o país precisa fazer o dever de casa, investindo em infra-estrutura e atraindo o capital estrangeiro. O caminho é a iniciativa privada, num modelo em que o Estado abandona a tarefa de produtor para se transformar em Estado regulador.