Título: Brasília, capital da política internacional
Autor: Amorim, Celso
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2010, Opinião, p. 23

Ministro das Relações Exteriores

Às vésperas das comemorações de seu cinquentenário, Brasília tornou-se capital da política internacional. Em 15 de abril, a cidade sediou a 4ª Cúpula do Fórum Índia-Brasil-África do Sul (Ibas) e a 2ª Cúpula do Grupo Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Além dos encontros desses dois mecanismos de diálogo, o presidente Lula recebeu, em reuniões bilaterais, os dirigentes de cada um desses países: o presidente Zuma, da África do Sul, o presidente Hu Jintao, da China, o primeiro-ministro Singh, da Índia, e o presidente Medvedev, da Rússia.

O Palácio Itamaraty abrigou, dessa forma, seis reuniões de chefes de Estado e de governo em um só dia de trabalho. Estiveram na capital federal os líderes de países que respondem por mais de 40% da população mundial, mais de 25% da superfície terrestre e quase um quarto de tudo o que é produzido no mundo. Estima-se que esses cinco países serão responsáveis por mais de 60% do crescimento econômico a ser registrado nos próximos anos. A capital do Brasil teve, portanto, o privilégio de reunir os países que estão modificando a geografia econômica do mundo.

O Fórum Ibas, fundado em Brasília, em 2003, surgiu das afinidades existentes entre três grandes democracias multiétnicas, cada uma localizada em um continente do mundo em desenvolvimento. Conhecidos por suas posições independentes no cenário internacional, Brasil, África do Sul e Índia têm atuado de forma coordenada nos fóruns multilaterais, em favor da democratização da governança global.

O Fórum Ibas também avança na cooperação com outros países em desenvolvimento. Provando que não é necessário ser rico para ser solidário, o Fundo Ibas financia projetos em países mais vulneráveis, como Haiti, Guiné-Bissau, Burundi e Palestina. Anunciamos na Cúpula de Brasília o desenvolvimento de dois satélites Ibas, que beneficiarão não só os membros do fórum, mas também terceiros países.

Em Brasília, os ministros do Ibas reuniram-se com o chanceler palestino, dr. Riad Al-Malki, que se deslocou de Ramalá para discutir, com o Brasil, a Índia e a África do Sul, os rumos do processo de paz no Oriente Médio. Os ministros do Ibas firmaram documento que selou compromisso com a fundação de um Estado palestino que seja economicamente viável, socialmente integrado, em paz com Israel, com fronteiras definidas nas linhas de 1967 e tendo Jerusalém Oriental como capital. O encontro evidenciou o empenho de nossos países em favor da paz no Oriente Médio e a possibilidade de renovar as conversações a partir da inclusão de novos atores.

A consolidação do Ibas impõe o desafio de levar a cooperação trilateral para além dos limites dos governos. Paralelamente à cúpula, foram realizados encontros de editores, grupos de mulheres, parlamentares e empresários dos três países.

O Grupo Bric é uma criação mais recente. Surgiu da constatação, feita pelo próprio mercado financeiro, de que seus membros serão os motores da economia global no século 21. O Grupo Bric tem-se dedicado principalmente ao incremento da cooperação em matéria econômica ¿ embora não só a ela ¿ entre quatro grandes países emergentes.

Durante a Cúpula Bric foram organizados encontros empresariais e entre autoridades dos bancos de desenvolvimento. Brasil, China, Índia e Rússia reafirmaram, por exemplo, seu compromisso com a redistribuição dos direitos de voto no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional. A Cúpula de Brasília consolidou definitivamente o agrupamento como espaço de diálogo e convergência de posições em temas que vão desde a superação da crise econômica à questão da mudança do clima.

Ibas e Bric são dois dos arranjos mais inovadores da nova política internacional. São exemplos concretos do fenômeno da multipolarização das relações internacionais ¿ isto é, da distribuição do poder global entre um número maior de atores. Não será necessário muito tempo para que as Cúpulas de Brasília ingressem nos livros de história como marcos do novo papel que o Brasil desempenha no mundo e do estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e equilibrada.

Tal como a cidade modernista ¿ cuja construção gerou ceticismo por sua vocação de vanguarda ¿, mecanismos como o Ibas e o Bric lançam as bases de uma nova realidade.