Título: Rodada Doha precisa acabar até início de 2007, diz Mandelson
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2005, Brasil, p. A4

Relações externas Prazo reflete a data-limite para o governo americano fechar acordos comerciais

As dificuldades do governo dos Estados Unidos em obter autorização do Congresso americano para acordos comerciais impõem o início de 2007 como data-limite para a atual rodada de negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC), afirmou o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson. O principal negociador europeu voltou ontem a cobrar das nações em desenvolvimento maior compromisso em reduzir, em termos reais, as barreiras que protegem indústrias e fornecedores de serviços nesses países. Só assim países como o Brasil obterão a desejada abertura do mercado agrícola. Não haverá ganho sem pagamento, não há "carona" ("free ride") na negociação, insistiu Mandelson. Os negociadores estão obrigados a pôr, em 2006, ou no máximo, no início de 2007, um "ponto final" nas discussões, porque, depois disso, o governo americano terá dificuldades em fazer passar algum acordo comercial pelo Congresso, acredita Mandelson. Segundo ele, o fim do ano que vem é "um ponto final real para as negociações, porque marca o fim do mandato negociador do presidente dos Estados Unidos", referindo-se à autorização dada pelo Congresso para que acordos assinados pelo presidente americano possam passar sem emendas pelo Congresso, o chamado "fast track". "Em 2007, essa facilidade caduca e vai ser duro de renová-la", previu o principal negociador europeu. Mandelson reafirmou que a União Européia aceita usar, como base para a negociação sobre o fim das barreiras agrícolas, a proposta apresentada pelo G-20 - o grupo de países em desenvolvimento, criado por inspiração do Brasil em 2003, para enfrentar as propostas em agricultura na OMC apresentadas pelos EUA e pelos europeus. Lembrando a recente reunião entre EUA, União Européia e dois representantes do G-20, Brasil e Índia, o comissário europeu de Comércio elogiou a liderança brasileira, mas aproveitou para cobrar o atendimento às reivindicações dos países ricos, na rodada da OMC. "A Europa mudou sua posição na negociação da agricultura, para a posição do G-20, assumida como ponto de partida para continuar as negociações", comentou Mandelson. "Louvo Celso Amorim e Kamal Nath, representantes do Brasil e da India, por liderar o G-20 e fazer os esforços preparatórios necessários em agricultura", elogiou. "Agora precisamos de um esforço similar do G-20 em relação aos outros impasses negociadores na rodada, como a liberalização de produtos industrializados e serviços", reivindicou, em seguida. A proposta do G-20 para agricultura fixa tetos de, no máximo 100% nos países ricos, para o imposto de produtos agrícolas; estabelece condições mais vantajosas de abertura de mercado para os países em desenvolvimento e exige a conversão, em tarifas, de barreiras como a aplicação de sobretaxas, em moeda estrangeira, para exportações produtos da agricultura, como arroz, frango e açúcar. Amorim e outros líderes do G-20 argumentam que já houve fortes reduções de barreiras para produtos industriais e serviços nas rodadas anteriores da OMC, que nunca previram reduções significativas das barreiras ao comércio agrícola. Por isso, essa rodada, conhecida como Rodada Doha, deveria concentrar-se principalmente em agricultura. "Essa é outra rodada, a Rodada Doha, e não há carona nela", responde Mandelson. "Não se pode resolver apenas a agricultura", diz ele. "Não seremos capazes de mover a rodada se não pudermos apresentar resultados aceitáveis para cada um dos blocos negociadores." Ele insiste, também, na tese européia de que países em desenvolvimento de maior grau de industrialização, como o Brasil, não podem receber as mesmas concessões permitidas a países mais pobres, que têm prazos maiores e exigências menores de remoção de barreiras comerciais. "Nessa rodada há muitos países em desenvolvimento com diferenças notáveis; Brasil não é Benin", comparou o comissário. "Ambos são países em desenvolvimento, mas têm muito pouco em comum." A diferença no grau de desenvolvimento, disse , torna "complicadas" as negociações e "flexibilidades" oferecidas pelos europeus para dar tratamento especial e diferenciado aos países menos desenvolvidos. O comissário europeu falou para um grupo de jornalistas convidados à Bélgica pela União Européia por pertencerem a países do G-20, que, ao ser criado, provocou comentários depreciativos pelo então comissário de Comércio, Pascal Lamy, e tornou-se uma das principais forças na negociação da rodada na OMC. Mandelson recusou-se a comentar se - como acusa o governo brasileiro - a credibilidade da negociação na OMC poderá ser abalada pela recusa dos EUA em cumprir as decisões dos árbitros da organização. Este ano, os EUA foram condenados em um processo movido pelo Brasil - contra subsídios ilegais ao algodão americano - e em processo movido pela União Européia - pelo pagamento de um subsídio ilegal aos exportadores, conhecido como "corporate tax". Em nenhum dos casos, o governo americano indicou que mudará suas regras internas para atender às regras da OMC, o que, segundo analistas, desmoraliza a instituição. "Todos nós temos responsabilidade de cumprir as regras da OMC", comentou, lacônico, o comissário europeu, autorizado pela entidade a aplicar sanções comerciais de US$ 300 milhões aos EUA em retaliação aos subsídios ilegais.