Título: Barreiras no Mercosul dificultam acordo, avaliam europeus
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2005, Brasil, p. A4

A recente retenção de calçados brasileiros na fronteira argentina, a ameaça de medidas no Brasil para deter a compra de arroz uruguaio e outras barreiras ao comércio entre os sócios do Mercosul representam uma ameaça mais grave ao acordo de livre comércio negociado pelo bloco com a União Européia do que a crise política pela qual passa o governo brasileiro. Segundo a avaliação de técnicos envolvidos na negociação do acordo entre o Mercosul e os europeus, a crise política no Brasil não afetou as perspectivas do acordo, mas ele é considerado inviável se não forem eliminados os entraves para a circulação de mercadorias entre os quatro países sócios no Cone Sul. Ao contrário do que acontece em uma união aduaneira tradicional, em que as alfândegas são unificadas e há apenas uma tarifa externa comum (TEC), as mercadorias do exterior que passam de um país ao outro no Mercosul são obrigadas a pagar novamente o imposto de importação, o que os diplomatas chamam de dupla cobrança da TEC. Além disso, passam de novo por toda a tramitação alfandegária exigida pelo país de entrada do produto no Mercosul. Os europeus vêm insistindo que querem, no futuro, para suas mercadorias, o mesmo tratamento que darão aos bens importados do Mercosul: uma vez dentro do mercado comum europeu, os produtos transitam livremente, sem nova burocracia. Os negociadores, em Bruxelas, onde se situa a sede da Comissão Européia, consideram possível aceitar, no acordo de livre comércio a ser firmado entre Mercosul e os europeus, uma saída burocrática para garantir a livre circulação das mercadorias, como, por exemplo, um documento de livre trânsito para produtos comprovadamente de origem européia. Essa proposta não leva em conta, porém, que um dos principais obstáculos à eliminação da dupla cobrança da TEC é o fato de que a arrecadação do imposto de importação é mantida da forma atual por ser uma importante fonte de receita na maioria dos países do bloco, principalmente no Paraguai, que arrecada com esse tributo 40% de seus recursos. O tema deve constar da pauta da próxima reunião do Mercosul, em dezembro, em Montevidéu. Em novembro, o bloco do Cone Sul terá outra reunião de negociadores com a União Européia, para estabelecer bases da discussão do futuro acordo - cuja negociação dependerá, também, dos resultados da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) marcada para o mês seguinte, em Hong Kong. Essa reunião deverá mostrar o grau de abertura comercial a ser obtido com a rodada mais ampla de negociações da OMC, o que condicionará as ofertas de abertura a serem feitas pelos europeus ao Mercosul. Nas próximas reuniões, os europeus deverão insistir que as propostas oferecidas pelo Brasil e seus sócios, até agora em matéria de serviços, por exemplo, não são consideradas satisfatórias. Eles reivindicarão maiores garantias e acesso para fornecedores europeus de serviços de telefonia, financeiros e transporte marítimo, por exemplo. Não convencem aos negociadores europeus as propostas do Mercosul de garantir aos europeus, pelo acordo, regras de abertura que já existem na prática, mas não são consolidadas como compromisso na OMC. (SL)