Título: Lula diz que Igreja o dissuadiu em sua greve de fome quando sindicalista
Autor: Jaqueline Paiva e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2005, Política, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem em Congresso dos Metalúrgicos do ABC paulista, que quer continuar a dialogar com o bispo de Barra (BA) Luiz Flávio Cappio, que entra hoje no nono dia de greve de fome para evitar a transposição das águas do rio São Francisco. "Estamos com problemas. Nem começamos a obra e o frei fez essa manifestação. Mandei um emissário conversar com ele. Não medirei esforços em tentar negociar com o bispo para encontrar uma solução", afirmou. Segundo o presidente, ele mesmo já fez greve de fome. "Quem me ajudou a parar com a greve foi o Dom Claudio Hummes porque ia judiar do próprio corpo", discursou. "Eu acho que se a cada coisa que a gente for fazer, não gostar e entrar em greve de fome, não está correto. Eu tenho paciência de Jó. Tenho tolerância. Vamos aguardar para ver o que acontece. Deus é mais sábio que nós", declarou o presidente. No Palácio do Planalto, a avaliação é que o presidente corre o risco de se desgastar com um embate com o bispo. Para esses assessores do presidente, a negociação deveria ser feita pelo ministro da Integração, Ciro Gomes, para evitar um desgaste direto de Lula com o caso. O ministro, no entanto, prefere que o tema seja tratado na Presidência da República. Na semana passada, após um seminário no Palácio do Planalto, Ciro se desviou do assunto. Ao ser perguntado sobre o protesto, afirmou apenas: "Deus está vendo". O bispo Cappio iniciou a greve de fome na cidade de Cabrobó, no interior de Pernambuco, onde será captada a água do projeto de transposição, na segunda-feira da semana passada, quando encaminhou uma carta ao presidente pedindo a suspensão do projeto. O religioso já havia registrado um documento em protesto contra a obra em maio, mas Lula reconhece que só teve acesso a ele agora, com a greve. No sábado, o presidente mandou até Cabrobó o assessor especial da Presidência, Selvino Reck, próximo das comunidades eclesiais de base. Ele entregou ao bispo uma carta de Lula pedindo que o religioso retomasse o diálogo com o governo. Mas evitou apelar diretamente para que ele abandonasse a greve de fome. No documento, Lula reconhece que o projeto pode ter imperfeições, mas afirma que cumpriu os trâmites legais. O presidente abriu a possibilidade, ainda, de retomada das audiências públicas: "Se o senhor considera que é preciso dialogar mais, e abrir conversas, e sendo esse o objetivo do seu gesto extremo, não nos negaremos a realizá-lo". O bispo agradeceu a presença do assessor, mas manteve a greve. "Confirmo minha decisão de permanecer em jejum e oração enquanto não chegar em minhas mãos o documento assinado revogando e arquivando o atual projeto de transposição", respondeu Luiz Flávio Cappio.