Título: Idéias provocativas para evitar comportamentos inaceitáveis
Autor: Rubens Teixeira Alves
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2005, Opinião, p. A10

As manifestações de conflito entre grupos políticos e a sociedade civil organizada surgem dos escândalos de corrupção política, demonstrando a permanência dos mesmos mecanismos de cooptação e ação do crime organizado vistos em outros governos, há não muito tempo. Mas, diante dos episódios recentes na política brasileira e as revelações que temos assistido nas CPIs de Brasília, ganhou evidência e maior importância no Brasil a discussão sobre a necessidade de reformas institucionais, sobretudo na lei de lavagem de dinheiro. Aparentemente, o Brasil ainda não teve condições políticas de modificar os procedimentos de execução do orçamento, o sistema de financiamento eleitoral ou o próprio sistema de compras governamentais, para realmente dirigir os recursos públicos para os fins constitucionais. Na obra "Os donos do poder", o jurista Raymundo Faoro já delineava a disputa, ainda não resolvida no Brasil, entre as forças do atraso, representadas pelo estamento detentor do poder, e a sociedade civil, qualquer que seja a "coloração" do grupo político dominante. A partir do raciocínio de Faoro, é possível afirmar que não pode haver "poder paralelo", e muito menos "Estado paralelo", se o Estado tiver em mãos instrumentos de inibição da lavagem de dinheiro no sistema financeiro brasileiro, que conseguem ser altamente sofisticados e informatizados nos dias de hoje. Basta que o Estado seja mais inteligente e ativo do que os criminosos, aí incluídos eventuais detentores de mandato político ou seus prepostos. A sociedade brasileira tem demonstrado amadurecimento para arrostar e substituir grupos políticos que se apropriam do Estado para a prática do roubo. É preciso, agora, um passo além: criar instrumentos para que o Estado possa se antecipar à essa ação deletéria e inibir o prejuízo à nação provocado pelo crime organizado. Visando contribuir com esse debate, listamos sugestões para o aperfeiçoamento da legislação que trata da evasão e lavagem de dinheiro: 1) As regras das contas CC-5 ainda permitem inúmeras falsificações e não inibem o câmbio "por cabo no paralelo" (a troca de posições em moedas sem a transação registrada no Brasil). É necessário definir mais claramente o regime cambial brasileiro. O modelo atual gera uma "zona cinzenta" para essas operações. Pelo porte da economia brasileira, seria melhor o país optar pela liberdade total de câmbio, com a criação de exigências mais estritas (extensão da culpabilidade para o dono do banco por onde cursa a operação suspeita, com risco de intervenção do BC) sobre o sistema financeiro para a detecção e a denúncia de operações ilícitas no ato; 2) Criação legal da "figura jurídica" da Pessoa Exposta Politicamente (PEP), para fins de imputação de direitos e deveres. Seriam definidos e cadastrados todos os membros da classe política e aqueles que tenham poderes legais sobre a administração de recursos públicos (servidores públicos ligados à execução orçamentária ou a licitações públicas). Esses teriam obrigatoriedade de abrir seus sigilos bancário, telefônico e fiscal sempre que houver solicitação apoiada por decisão judicial, pelo Banco Central, pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público; 3) Nova tipificação do crime de lavagem, com reforço e extensão da pena (multa não resolve), a partir da definição ampla do crime antecedente (qualquer ato ou fato gerador do dinheiro de origem ilícita); 4) Ampliação da jurisdição brasileira, para cobrir toda atividade financeira com efeito sobre a economia brasileira ou diretamente sobre brasileiros fora do território nacional, e que tenha origem ou destino em bancos brasileiros ou empresas direta ou indiretamente pertencentes a brasileiros (jurisdição extraterritorial);

Não haverá poder paralelo se o Estado tiver os instrumentos de inibição da lavagem de dinheiro no sistema financeiro

5) Extensão, para advogados, contadores e outros profissionais que trabalhem com grandes pagamentos de qualquer natureza, da obrigatoriedade de informar ao Coaf sobre atividades financeiras suspeitas de ilícito, com cominações severas em caso de omissão; 6) Nova tipificação dos crimes de tráfico de drogas, em direção à flexibilização, para reduzir as chances de concussão (extorsão por funcionário público) e redirecionar a fiscalização; 7) Redução drástica das incidências tributárias em operações financeiras, inclusive câmbio. Nesses casos, a tributação seria reduzida a mero marco estatístico. Seria uma forma de inseri-las novamente no processamento normal das transações comerciais ou financeiras no Brasil, diante do evidente aumento das atividades informais na economia; 8) Redução drástica das possibilidades de manutenção de sigilo bancário para operações suspeitas de ilícito. Lei, ou regulamento do BC, definiria indicadores de suspeição para operações financeiras ilícitas por volume, por ineditismo e por fonte, com inversão de prova. Se há suspeita, o titular da operação deve provar sua regularidade e legitimidade, por solicitação da instituição financeira ou da autoridade pública; 9) Ampliação dos acordos de cooperação a todas as jurisdições com as quais os brasileiros tenham transações financeiras, através de tratados de cooperação ("judicial assistance") com países e "paraísos fiscais"; 10) Bloqueio de bens de forma direta: permissão legal para que o trânsito de informações e decisões judiciais, em caso de solicitação de bloqueio de bens de estrangeiros no Brasil ou de brasileiros no exterior, se dê entre autoridades diretamente ligadas ao caso, evitando os canais diplomáticos. Tais medidas ampliariam os aperfeiçoamentos em discussão e refletiriam a irritação com que a sociedade assiste a repetidos episódios de revelação de tráfico de influência e corrupção no Brasil, na esfera da representação política e na administração pública. Elas dariam ao Estado ferramentas legais para uma ação mais decisiva na inibição de desvios e comportamentos inaceitáveis.