Título: Quatro anos após o calote, risco da Argentina cai e chega perto do Brasil
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2005, Finanças, p. C2

Quase quatro anos depois de ter dado o calote de sua dívida com os credores privados, a Argentina recebeu ontem um sinal de que a percepção do mercado em relação ao risco de um novo default é similar à avaliação feita sobre o Brasil. Isso porque o forte desconto no valor original dos bônus que foram reestruturados na primeira metade deste ano deixou o país com uma carga de endividamento que, na percepção dos analistas, pode ser honrada sem problemas, ao menos nos próximos anos. Ontem, o índice de risco-país elaborado pelo JP Morgan ficou na casa dos 340 pontos-base para os dois. No fechamento, o risco brasileiro era de 341 pontos e o argentino de 344. Mas durante todo o dia, até às 17 horas, o risco-Brasil ficou acima do país vizinho. A última vez que o risco da Argentina havia ficado abaixo do brasileiro foi em 20 de fevereiro de 2001, quando o indicador fechou em 714 pontos, contra 715. Apesar da equiparação, economistas ressaltaram que o índice é apenas um reflexo da cotação dos bônus renegociados. A Argentina não definiu como lidará com um "esqueleto" de US$ 20 bilhões em papéis que estão nas mãos dos 24% de credores que não aceitaram a proposta de receber apenas 25% do valor de face dos títulos em default. Também observaram que, mesmo com um índice parecido, os fundamentos da economia brasileira mostrariam que suas perspectivas de longo prazo são melhores. Um dos exemplos é o menor peso da dívida. Segundo dados divulgados semana passada, a dívida líquida do setor público brasileiro está em 51,7% do PIB. "Quando se olha o tamanho da dívida em relação ao PIB, a da Argentina é muito maior, com 80%", compara o economista Norberto Sosa, do banco de investimentos Raymond James. "Mas, olhando-se para a necessidade de financiamento dos próximos anos, percebe-se que a situação da Argentina não é estressante", disse. No ano que vem, a diferença entre os recursos que a Argentina precisa conseguir entre seu superávit primário e os vencimentos de sua dívida com os organismos multilaterais e em bônus é de cerca de US$ 5 bilhões, desde que feche um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e consiga a rolagem de créditos. Em 2007, as necessidades de financiamento são da ordem de US$ 7 bilhões, e em 2008 as contas fecham com US$ 5 bilhões. O orçamento enviado mês passado ao Congresso prevê um superávit primário de 3,3% do PIB em 2006 e 2007 e de 3,4% em 2008. Sosa estimou que ano que vem, para cobrir a diferença o país deve utilizar recursos do Tesouro e colocar US$ 3 bilhões em dívida no mercado, um valor muito inferior às necessidades financeiras de antes do calote. A título de comparação, ele lembra que em 2001 a Argentina precisou levantar US$ 34 bilhões, e na década de 90, a necessidade média era de US$ 14 bilhões por ano. O economista Fabio Akira, do JP Morgan, ressaltou que o indicador elaborado pelo banco "não representa a qualidade do crédito do país, mas o risco de default" dos papéis que são negociados no mercado secundário. Para avaliar o risco de investir em um país é necessário olhar outros fatores, e ele enfatizou que a Argentina continua sendo vista com desconfiança para investimentos de longo prazo, citando o caso da francesa Suez. Na semana passada, a empresa anunciou oficialmente que deixará a concessão de água e esgoto de Buenos Aires, por dificuldades na renegociação de seu contrato com o governo. Akira considerou também que a queda do risco argentino é conseqüência do contexto de grande liquidez internacional que vem beneficiando também outros países emergentes. No futuro imediato, entretanto, as perspectivas para o país são muito positivas, o que aumenta o interesse pelos bônus. "O contexto de crescimento é muito favorável, a previsão de expansão para este ano chega a 8% e a arrecadação mostra recordes absolutos", disse Rodrigo Alvarez, economista da consultoria portenha Ecolatina. Mesmo a inflação, que neste ano deve passar de 10% e é considerada hoje como a principal ameaça no terreno econômico, ajuda a aumentar o interesse pelos títulos, já que alguns são indexados. Para fechar as contas deste ano, a Argentina precisa levantar mais US$ 2 bilhões no mercado, e no mês passado um leilão de títulos em que as autoridades esperavam conseguir US$ 800 milhões fracassou, porque o governo não quis pagar a taxa pedida pelo mercado, de 8,8% ao ano. A situação, porém, não preocupa, e o país vem recebendo ajuda da Venezuela, que já havia adquirido US$ 500 milhões em títulos e ontem comprou cerca de US$ 150 milhões adicionais.