Título: A última cartada de José Dirceu
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2005, Brasil, p. A2

O deputado José Dirceu acha que tem poucas chances de escapar da cassação de seu mandato na Câmara. Como considera que o julgamento a que está sendo submetido é político, e não baseado em "provas documentais", a sentença já teria sido dada. Por isso, seu advogado, José Luís Oliveira Lima, entrará no STF, provavelmente hoje, com mandado de segurança para tentar sustar o processo movido na Câmara. O tempo corre contra Dirceu. A expectativa é que o deputado Júlio Delgado, relator do processo no Conselho de Ética, conclua o trabalho em meados deste mês. Se a cassação ocorrer no plenário da Câmara nas próximas duas semanas, nada mais poderá ser feito e Dirceu perderá o mandato e os direitos políticos por oito anos. Por essa razão, o mandado de segurança será impetrado no STF com pedido de liminar. O ministro escolhido para relatar o mandado no Supremo pode conceder a liminar imediatamente, suspendendo, portanto, a tramitação do processo de cassação até que o mérito da ação seja julgado. O relator pode, no entanto, levar o pedido de liminar ao pleno do STF, o que pode atrasar a sua concessão em um ou dois dias. Dirceu justifica a "urgência" do mandado de segurança por acreditar que está configurado o "periculum in mora" - a perda do mandato. Sua tese é que está sendo acusado por quebra de decoro, falta que justificaria a cassação do mandato parlamentar, por atos supostamente cometidos quando era ministro de Estado. O ex-ministro calcula que, no Supremo, tem 50% de chances de salvar seu mandato. Precedente dos anos 80 anima Dirceu. Naquela ocasião, o então ministro da Previdência Social Jair Soares teria solicitado ao STF imunidade parlamentar para se livrar de processo por calúnia. O Supremo negou o pedido, mas assegurou a Soares o foro privilegiado, uma vez que ele era ministro. Com base nesse caso, Dirceu acredita que há jurisprudência para o Supremo interromper o processo movido contra ele no Conselho de Ética. "A tese é boa", sustenta. Aparentando abatimento físico, mas não de espírito, Dirceu acha que o ambiente político melhorou nos últimos dias. No Congresso, isso teria acontecido depois de seu segundo depoimento ao Conselho de Ética. "Parlamentares de todos os partidos, com exceção de PFL e PSDB, me procuraram para conversar após o depoimento. Todos me disseram que não há provas contra mim." Na opinião pública, onde o ex-ministro reconhece que está perdendo a batalha, sua situação também teria melhorado, especialmente entre os formadores de opinião. Ele menciona, em sua defesa, artigos escritos pelo advogado Dalmo Dallari e por Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara, cassado no escândalo do Orçamento. E mais: as declarações de apoio feitas pelo ex-presidente Itamar Franco, em entrevista ao "O Globo", e pelo músico Wagner Tiso. "Antes, só houve leitura de direita da crise; agora, começa a haver a leitura progressista de esquerda", diz.

Deputado vai ao STF defender mandato

Sobre as acusações que vem sofrendo, Dirceu repele todas. Nega a existência do mensalão e o uso da máquina pública, pelo PT e pelos partidos de sua base aliada, para angariar recursos de campanha política. Confirma que seu partido operou caixa 2, mas assegura que desconhecia a prática. A responsabilidade foi da direção de seu partido. "O Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do PT) jamais me informou de caixa 2 ou de empréstimos do Rural e do Marcos Valério", assegura Dirceu, que nega com veemência também o financiamento do PT com recursos vindos do exterior. "O Duda Mendonça recebeu lá fora porque pediu ao Marcos Valério que fosse feito assim." O ex-ministro diz que o pecado cometido por Delúbio e pelos petistas em geral foi ter programado campanhas eleitorais que o partido não tinha como pagar. Diz que foi um erro deixar cristalizar, em 2003 e 2004, a idéia de que o PT estava endinheirado. "O partido saiu da campanha devendo R$ 70 milhões. Se tivesse dinheiro sobrando, não teria tomado empréstimos. O erro foi não ter contabilizado." Dirceu defende os seis deputados petistas que receberam dinheiro do valerioduto e, por isso, estão também no rol das cassações. "Todo mundo se endividou por causa de campanhas caras. O Josias (Gomes, deputado do PT da Bahia) dar a carteira de identidade para receber (R$ 100 mil no Banco Rural), é porque ele achava que era dinheiro do PT", argumenta Dirceu. Dirceu desmente também a existência de um esquema de corrupção no governo. Segundo ele, 90% dos contratos em que o TCU encontrou indícios de superfaturamento foram fechados no governo FHC. No IRB, diz ele, R$ 200 milhões das irregularidades encontradas também dizem respeito ao governo anterior. Nos Correios, o esquema descoberto não envolveu nem o presidente da empresa nem o ministro da área. No caso GTech, cita Dirceu, o prejuízo para a Caixa Econômica Federal também se referiu ao governo anterior. "O sistema de corrupção não está provado." A crise política aguda não diminuiu, na visão do ex-ministro, as chances de reeleição do presidente Lula. E é por isso, raciocina ele, que a oposição não sossega. "Ele vai ser candidato", avisa. Dirceu alinha as razões: o PT, "até por questão de sobrevivência", quer que Lula seja candidato; o presidente tem voto e base social; o governo tem projeto; Lula demitiu os envolvidos em irregularidades; a corrupção não foi provada; haverá cassações; a economia está crescendo. Aconteça o que acontecer nos próximos dias, Dirceu acalenta dois planos para executar após o fim da tormenta que atravessa: escrever um livro, a quatro mãos com Fernando Morais, sobre os 30 meses em que comandou a Casa Civil e descansar. Há alguns dias, conversou com o deputado Ricardo Fiúza (PP-PE), um adversário dos tempos do impeachment de Collor. Na conversa, os dois falaram sobre a arte de convalescer e sobreviver. Fiúza, abatido com um câncer no pâncreas que vem lhe subtraindo a vida aos poucos, briga há meses contra a doença. Dirceu, atingido por uma crise com a qual nunca sonhou, disputa há 150 dias o direito de continuar fazendo o que mais gosta na vida - política. "O que me sustenta é a imagem que construi ao longo de 40 anos de política", diz ele. "Não vou desistir agora."