Título: Cade muda método para julgar fusões
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2005, Brasil, p. A5

Defesa da Concorrência Em dois julgamentos envolvendo supermercados, a futurologia foi trocada pela realidade

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está abandonando o exercício da futurologia em julgamentos de fusões e aquisições de grandes redes de supermercados e se pautando pela realidade dos mercados. E decisões importantes, nesse sentido, resultaram na aprovação de fusões das redes Bompreço e Pão de Açúcar. A futurologia é utilizada pelo Cade, através de estudos econômicos, para estimar os impactos de um negócio no futuro. Essa estimativa é feita a partir de alguns critérios, como a existência ou de barreiras à entrada de concorrentes e o cálculo sobre o poder de mercado resultante de uma fusão. O problema é que as previsões que os técnicos em defesa da concorrência do governo fizeram em algumas fusões de supermercados foram simplesmente barradas pela realidade. E o Cade reviu determinações contrárias a grandes redes do setor em dois grandes casos. O primeiro foi a compra da Petipreço pelo grupo Bompreço. No ano passado, o Cade havia ordenado o grupo a vender um hipermercado, em Lauro de Freitas, na Bahia. Na época, o Cade concluiu que não havia a possibilidade de um concorrente ingressar no mercado para competir com o Bompreço. O problema é que, um ano depois, esse concorrente apareceu. O Atacadão abriu um supermercado, criando concorrência na cidade. E o Cade, pela primeira vez na história, alterou a sua decisão. "Eu disse que a decisão era equivocada, que não existiam barreiras elevadas para futuros concorrentes", advertiu o advogado do caso, José Inácio Gonzaga Franceschini. O segundo caso envolveu a compra da rede Peralta pelo Pão de Açúcar. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), do Ministério da Fazenda, concluiu um parecer recomendando ao Cade a venda de 11 das 39 lojas envolvidas na transação. A Seae entendeu que não havia a possibilidade de novos concorrentes ingressarem em algumas cidades da Baixada Santista, a região mais afetada pelo negócio. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça fez novos estudos e pediu ao Cade que determinasse a venda de uma loja, em Cubatão. Mas quando o Cade foi julgar o caso, apareceu um concorrente em Cubatão - novamente a rede Atacadão. Resultado: o Cade partiu de um parecer que pedia a venda de 11 supermercados para a aprovação total da fusão. Os conselheiros estão verificando que muitas das estimativas de mercado, feitas para o futuro, podem ser revistas pela prática. "A futurologia é um problema inerente à concorrência", afirmou ao Valor o conselheiro Roberto Pfeiffer. Segundo ele, o problema é que os estudos de futurologia procuram fazer análises para frente a partir das condições do mercado no presente. "Acontece que a realidade é dinâmica", completou Pfeiffer. "Assim, temos que rever parâmetros e adaptá-los à realidade econômica", concluiu o conselheiro. No caso das fusões de supermercados, um importante parâmetro foi revisto. Como em outros setores da economia, o Cade considera o faturamento das empresas para medir o poder de mercado de cada uma. Mas a partir do caso Pão de Açúcar-Peralta, o órgão antitruste passou a considerar o número de caixas registradoras de cada loja. "Entendemos que um supermercado que tenha três caixas já pode fazer frente à concorrência", explicou Pfeiffer. Isso facilitou a vida das grandes redes. Primeiro, porque é muito difícil apurar o faturamento das pequenas lojas. Normalmente, esses números não são contabilizados nem pela associação do setor - a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). E, por fim, ao considerar os pequenos como potenciais concorrentes, o Cade facilita a aprovação das fusões e aquisições realizadas pelas grandes redes. "Foi uma revisão metodológica importante", disse o advogado do caso Pão de Açúcar-Peralta, Caio Mário da Silva Pereira Neto, do escritório Lilla, Huck, Otranto, Camargo & Messina. "O Cade passou a considerar aspectos da realidade, em detrimento de estudos hipotéticos", completou. Segundo Pereira Neto, o Cade vinha adotando objeções ao analisar fusões de supermercados. Em cidades grandes, definia o mercado com base na área de influência da loja. Assim, limitava a região onde poderia ocorrer competição a localidades menores, como um bairro ou uma grande avenida. Se uma fusão resultava na junção dos dois supermercados de um bairro, um deles teria de ser vendido. Em cidades pequenas, o Cade considerava as fronteiras de cada município. Essa postura levou à imposição de venda de lojas em várias fusões, já que nem sempre há dois supermercados grandes numa cidade pequena. No caso Pão de Açúcar-Peralta, o Cade considerou os supermercados de municípios vizinhos ao da fusão como fomentadores de concorrência. E passou a calcular os potenciais concorrentes pelo número de caixas registradoras de cada loja. A partir de três caixas, a loja já era considerada como concorrente do Pão de Açúcar. Para Franceschini, o Cade está tomando uma atitude bastante madura ao reconhecer erros em suas previsões. "Isso mostra que os conselheiros não têm o espírito corporativo de que não podem ser contestados", afirmou. Pereira Neto avaliou que o órgão antitruste passou a julgar com base maior na realidade. "Em vez de dar um tiro no escuro, o Cade começou a ver o alvo e entender a dinâmica dos mercados."