Título: Os novos desafios da reeleição de Lula
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2005, Política, p. A6

O governo - nele principalmente destacados o presidente da República, assessores próximos do Planalto e ministros de maior influência - já se acha em condições plenas de tocar, a partir de agora, seu projeto 2006. Organiza-se para a luta pela reeleição, intensificando a campanha, em todos os níveis, e passando a governar em função disso, como, de resto, vinha fazendo, mesmo durante a crise. Compreende que o ciclo de denúncias e escândalos não chegou ao fim, mas quer forçar um termo conclusivo nas comissões parlamentares de inquérito para que não entrem 2006 ainda fazendo estragos na imagem do governo e do candidato. Conta, para isto, basicamente com o presidente do Senado, com sua base de apoio, agora revigorada pela eleição de um aliado como novo presidente da Câmara. Com este, o governo também conta, mais para fazer a Casa funcionar com uma agenda que, levando adiante votações em que a administração federal ainda tem interesse, como as medidas provisórias, desvie a atenção das denúncias e relegue os inquéritos a um segundo plano. Mas para levar vida normal, mesmo, e fazer sua campanha com credibilidade, ainda faltam ao governo algumas condições políticas mínimas, exigências que se transformam em desafios que, no Palácio do Planalto, todos procuram resolver neste momento. É preciso, por exemplo, reconstituir concretamente o partido do candidato e o staff de campanha com o qual o PT chegou à Presidência da República depois de sucessivas derrotas. Foram colhidos pelas denúncias o marqueteiro Duda Mendonça, considerado o mago da vitória; o tesoureiro, Delúbio Soares, uma atuação, descobriu-se depois, de grande poder e autonomia; o estrategista político, coordenador e comandante em chefe do projeto, José Dirceu; a cúpula partidária e alguns assessores pessoais do candidato principal; alguns candidatos importantes no partido que disputaram e perderam as eleições regionais. Sobraram poucos efetivamente incólumes, totalmente limpos, com moral para fazer o chamamento do eleitorado. Poder-se-ia dizer, por exemplo, que o quartel general da campanha será facilmente reconstituído com a nova cúpula do PT, com os líderes regionais não pessoalmente atingidos pelas denúncias, os ministros do governo que permaneceram em seus postos, prestigiados. O problema são os nomes, pois não há muitos entre os principais. Foi chamado a reconstruir o PT, por exemplo, na fase de transição até a eleição da nova diretoria, o ex-ministro Tarso Genro. O PT do Rio Grande do Sul, porém, do qual é um dos comandantes, recebeu cerca de R$ 3 milhões do esquema irregular Delúbio-Valério, assim como entraram no esquema várias outras coordenações regionais do partido com seus líderes. Como tornar essas pessoas inatingíveis numa nova campanha? Busque-se o nome do principal ministro do governo, Antonio Palocci, que chefiou a transição além de ter sido responsável pela elogiada condução da economia neste primeiro mandato. Até seus mais próximos reconhecem, Palocci não saiu ileso desta crise que revigorou denúncias de suspeita de atuação imprópria na prefeitura de Ribeirão Preto.

Governo fará de 2006 um ano de muito barulho

O senador Aloizio Mercadante, a ex-prefeita Marta Suplicy, não estiveram e não estão a salvo, pois também suas campanhas foram beneficiadas pelo esquema dirigido por Delúbio, notadamente para o campo majoritário. São muitos os que se queimaram, aumentando o desafio da formação de um novo mundo político neste partido. As alianças, o candidato também vai buscá-las nos mesmos partidos que com o PT se lambuzaram neste primeiro mandato. Alguns analistas próximos ao presidente Lula, no entanto, embora reconheçam a força deste desafio, acreditam que em pelo menos três aspectos as condições são favoráveis ao projeto de reeleição. Por exemplo: depois de uma crise longa, que começou em fevereiro de 2004 com o escândalo Waldomiro Diniz e dura até agora, o PT conseguiu levar às urnas mais de 300 mil militantes para escolher a nova diretoria do partido. Esta é o tipo de situação que pesará quando o presidente for analisar as condições políticas objetivas para levar a bom termo a sua recandidatura. Outra realidade que vai pesar muito, e favoravelmente, são as realizações do governo. "O governo apanha na articulação política, o PT está destroçado pela luta interna e pelas denúncias, mas o presidente tem plenas condições de defender o seu governo no palanque de 2006", resumiu um próximo auxiliar de Lula. O presidente está convencido de que terá avanços a apresentar aos eleitores, principalmente, como definiu um de seus colaboradores políticos, na melhoria da vida do cidadão no dia a dia: inflação sob controle, crédito, assistência. Estas questões serão amplamente propagadas a partir do início do ano que vem - 2006 será um ano de muito barulho -, ao mesmo tempo em que o presidente, viajando mais no Brasil que ao exterior, sairá pelos Estados a inaugurar (o que tem feito desde agora) grandes e pequenas obras. "A economia vai decidir a eleição", diz um de seus auxiliares, lembrando que o ano de 2006 começa também com mais recuo na taxa de juros, contas subindo menos e preços de alimentos caindo. "O porteiro do meu prédio está comendo arroz Tio João", exemplifica uma autoridade com trânsito no Planalto. Além do vigor da militância e das realizações de governo, o presidente contabiliza, entre as situações mais favoráveis na campanha da reeleição do que na anterior, uma que seria mais importante até entre todas, segundo destaca um de seus assessores próximos: "Não vamos encontrar os mesmos obstáculos da outra campanha, quando se dizia que, se Lula vencesse, o dólar dispararia, a dívida ficaria explosiva, entre outras tormentas". O presidente confia na avaliação positiva do eleitorado e, na visão otimista de seus freqüentes interlocutores, conta também com os percalços do adversário. "Quem garante que em abril de 2006 não vai aparecer uma grande denúncia contra o PSDB e esquecem o PT?"