Título: Viegas deixa Defesa e Lula nomeia José Alencar para o cargo
Autor: Taciana Collet e Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2004, Política, p. A-8

Governo Pedido de demissão de ministro foi entregue no dia 22 de outubro e reiterado ontem Desgastado no cargo e apontado como demissionário há várias semanas, o ministro da Defesa, José Viegas Filho, pediu demissão ontem. O pedido, aceito prontamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi o segundo de Viegas em 14 dias. No dia 22 de outubro, na semana em que eclodiu a crise militar provocada pela divulgação de fotos atribuídas ao jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 pela ditadura, Viegas apresentara carta de demissão ao presidente, que, na ocasião, lhe pediu tempo. A nova solicitação de Viegas precipitou, no entanto, uma decisão que já estava tomada. Lula havia decidido que demitiria o ministro no início de janeiro, depois das festas de fim de ano. Na manhã de ontem, tão logo aceitou o novo pedido de demissão de Viegas, o presidente chamou o vice-presidente José Alencar a seu gabinete e o convidou para assumir o Ministério da Defesa. Alencar, 73 anos, aceitou o convite imediatamente e, a partir de hoje, acumulará os dois cargos. Sua posse foi agendada para as 11h de segunda-feira. Alencar evitou dar entrevistas, transferindo qualquer manifestação para depois da posse. "Nós, jovens, somos sempre animados", disse ao ouvir comentários sobre sua animação com a nova função. Para se familiarizar com as tarefas da pasta, a partir da próxima semana, Alencar vai ficar a maior parte do tempo no Ministério da Defesa. Logo depois de formalizada a demissão de Viegas, ontem, em encontro com o presidente no Palácio do Planalto, Lula chamou para a reunião o próprio José Alencar e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Alencar e Viegas voltaram a se encontrar mais tarde, no Palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente) para uma troca de informações sobre a pasta. Na avaliação de assessores do Palácio do Planalto, a escolha de Alencar servirá para apaziguar os ânimos nas Forças Armadas depois da crise do último mês. Alencar é um nome com prestígio político, nacionalista, de absoluta confiança do presidente e com acesso direto a Lula. Não haverá mudança no comando das Forças Armadas. Depois de convidar o vice-presidente, o presidente Lula telefonou para os comandantes do Exército, Francisco Albuquerque, da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva Bueno, e da Marinha, Roberto de Guimarães Carvalho. Ontem mesmo, Silva Bueno e Albuquerque se reuniram com José Alencar para tratar dos assuntos de suas áreas. "A solução foi maravilhosa", definiu Bueno. Viegas, segundo informou ao Valor um assessor do presidente, será nomeado embaixador do Brasil em Madri, no lugar de Omar Choffi, que ocupa o posto desde o início do atual governo. Muito ligado ao ministro da Casa Civil, José Dirceu, o embaixador José Viegas deixou o cargo batendo duro no Exército e fazendo críticas veladas ao presidente Lula. Numa carta de nove parágrafos que corresponde ao seu primeiro pedido de demissão, do dia 22, Viegas usou palavras fortes para qualificar a nota oficial do Centro de Comunicação Social do Exército, publicada no último dia 17, em resposta à divulgação, pelo "Correio Braziliense", de falsas fotografias de Herzog. Naquela nota, o Exército exaltou o golpe militar de 64 e justificou as ações das Forças Armadas, inclusive, as ilegais, como a tortura, no combate aos oponentes do regime. Divulgada sem o conhecimento de Viegas, a nota provocou uma crise militar e expôs a falta de autoridade do ministro no comando das Forças Armadas. Dois dias depois, por decisão do presidente Lula, o Exército retratou-se da nota anterior. Na carta de demissão, escrita seis dias após o conhecimento da primeira nota do Exército, Viegas desconhece a retratação e fala na "persistência de um pensamento autoritário, ligado aos remanescentes da velha e anacrônica doutrina da segurança nacional, incompatível com a vigência plena da democracia e com o desenvolvimento do Brasil no século 21. Já é hora de que os representantes desse pensamento ultrapassado saiam de cena. É incrível que a nota original se refira (...) a 'movimento subversivo' e a 'Movimento Comunista Internacional'". Viegas dá a entender, na carta, que sugeriu um desfecho para a crise diferente daquele que foi decidido por Lula. Ele diz que, já no domingo em que saiu publicada a nota do Exército, chamou o comandante Francisco Albuquerque para exigir "apuração de responsabilidades e a correção da nota". Informações surgidas no Congresso revelam que Viegas quis demitir o comandante do Exército, mas que Lula não o teria autorizado. O ministro teria se revoltado ao saber que, ao contrário do que informara o Exército, Albuquerque autorizou o teor da primeira nota divulgada pelo "Correio Braziliense". Na carta, Viegas insinua que tinha opinião diferente da do presidente sobre a crise. "Segui a orientação de Vossa Excelência e não divulguei posições e pontos de vista individuais. Vossa Excelência sabe que em momento algum fui omisso ou deixei de cumprir com as minhas responsabilidades no exercício das minhas funções", sustenta Viegas. O Palácio do Planalto não confirmou a versão de que Viegas quisera demitir o comandante do Exército. Setores do governo ficaram incomodados com a carta de demissão de Viegas. Consideraram-na ruim para o presidente, na medida em que insinua que teria havido capitulação de Lula em relação aos militares. "Viegas saiu atirando, quem divulga carta de demissão é quem a recebe", comentou um assessor do presidente.