Título: Com Bush reeleito e sem Arafat, conflito em Israel terá nova fase
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Fonte: Valor Econômico, 05/11/2004, Internacional, p. A-11

Oriente Médio Negociações de paz podem ser retomadas; divisão entre palestinos é ameaça O conflito - e a busca da paz - entre israelenses e palestinos está claramente entrando em uma nova fase. A retirada potencial do governo israelense da Faixa de Gaza continua dividindo amargamente os israelenses, embora seu primeiro-ministro, Ariel Sharon, esteja determinado a implementá-la; também nesta semana, ele conquistou outra pequena vitória, quando o Parlamento de Israel, o Knesset, aprovou um acordo de indenização para aqueles colonos judeus que precisarão deixar suas casas. No lado palestino, a gravidade da enfermidade de Iasser Arafat, que exigiu sua remoção por avião na semana passada para tratamento na França, inevitavelmente desencadeou discussões intensas sobre sua possível sucessão - e sobre a política que poderia ser adotada por um sucessor. Por fim, a reeleição de George Bush, apesar de aparentemente representar uma dádiva para Sharon, levantou o espectro - nas mentes dos israelenses - de um presidente americano em segundo mandato que poderá estar mais disposto a pressionar duramente Israel, na busca de um acordo de paz entre judeus e árabes no Oriente Médio. Muitos israelenses consideraram os boletins sobre o débil estado de saúde de Arafat e os rumos sobre sua morte como uma boa notícia. O general Ze'evi Farkash, chefe da inteligência militar, disse ao Gabinete de Israel que, com Arafat fora do caminho (embora Sharon tenha prometido deixá-lo retornar caso se recupere), "existe uma chance de encerrar o atual ciclo de violência" que começou há quatro anos. Mas, se Arafat desaparecer de cena definitivamente, Israel poderá enfrentar um novo e incômodo dilema. Desde o mais recente levante dos palestinos - a segunda Intifada - Israel tem argumentado que não tem um interlocutor confiável. O país diz que Arafat, na condição de presidente do conselho da Autoridade Palestina (AP), que deverá governar a maioria da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, está empenhado em destruir o Estado judeu. Nenhum parceiro significa nenhuma negociação, o que pareceu cair bem para Sharon. Os palestinos suspeitam que o premiê gostaria de reter metade da Cisjordânia sob perpétuo controle israelense, postergando infinitamente as conversações sobre o "status final" da região. Alguns comentários temerariamente francos emitidos por seu assessor próximo Dov Weisglass conferiram credibilidade a essa idéia. Sharon, afirmou ele, gostaria que "todo esse pacote chamado Estado palestino... fosse removido indefinidamente da nossa agenda". Bush, para deleite de Sharon, compartilhou a idéia de que Arafat é um terrorista e um mentiroso incorrigível, que não merece ser chamado para conversar. O presidente não se encontrou com Arafat nos quatro anos de seu primeiro mandato. Se Arafat morrer ou ficar incapacitado, porém, o argumento de que "não há parceiro" cai por terra. Se surgir um novo líder, que prometa evitar a violência, Israel enfrentará uma forte pressão internacional para mudar a sua conduta - entre outras coisas, encerrando as incursões militares na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, suprimindo o assassinato de militantes palestinos, libertando prisioneiros e relaxando as limitações de viagem nos territórios palestinos. O país também será exortado a coordenar sua retirada de Gaza com a AP, em vez de executá-la unilateralmente, e a reabrir as conversações sobre o "mapa da paz", que conduziriam a um Estado palestino. Independente do estado de saúde de Arafat, uma leva de diplomacia regional provavelmente se seguirá à reeleição de Bush. O Egito já está ativo. Se Bush desejar a melhora nas relações dos Estados Unidos com a Europa, provavelmente terá de prometer que se empenhará com mais afinco para solucionar o quebra-cabeça palestino-israelense. Weisglass já esteve testando a água em Bruxelas e em Londres. Sharon teme particularmente que um Bush revigorado, em conjunto com os europeus, tentaria obrigá-lo a aceitar em princípio deixar a maior parte da Cisjordânia logo depois de se retirar de Gaza. Quando um rapaz palestino de 16 anos se explodiu matando três israelenses nesta semana, num mercado em Tel Aviv, Sharon se apressou em declarar que isto prova que não houve "nenhuma mudança na AP". Com Arafat em um hospital no exterior, seus assessores mais graduados se esforçavam em enfatizar a continuidade das suas políticas e da sua autoridade. Sua cadeira permaneceu vazia nas suas reuniões, mas ele estava lá em espírito. Os dois homens temporariamente investidos da maioria dos seus poderes são Mahmud Abbas, também conhecido como Abu Mazen, que é o secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o órgão que congrega a maioria dos grupos palestinos (excluindo o ressuscitado movimento islâmico Hamas); e o premiê Ahmed Korei, também conhecido como Abu Alá. Os dois já trocaram farpas com Arafat no passado, porém ainda assim permanecem leais a ele. Não está claro o que motivou o atentado suicida do garoto de 16 anos. Sua mãe criticou os que o enviaram a tal missão. Este foi o primeiro atentado suicida em Israel em cinco semanas, período em que mais de 165 palestinos - civis e também combatentes - foram mortos pelas forças israelenses, principalmente em Gaza. O mais impressionante em termos políticos, contudo, foi uma advertência emitida pela Frente Popular pela Liberação da Palestina (FPLP), que alegou ter enviado o rapaz. De forma sombria, instou que "elementos palestinos" abandonassem qualquer idéia de por fim à "luta armada". Isso representa uma ameaça a Abbas e Korei. Em qualquer circunstância, eles têm duas prioridades. Uma delas é incutir alguma ordem na polícia palestina. A outra é persuadir Sharon a coordenar com os palestinos a saída planejada de Gaza. Omar Suleiman, o chefe da inteligência egípcia, já está atuando como um vigoroso canal de bastidores entre americanos, palestinos e israelenses. Sharon diz que saudaria a coordenação se houvesse uma liderança palestina diferente, que "desmantelasse a infra-estrutura terrorista" nas áreas palestinas, como é exigido pelo mapa da paz internacional. Se isso significa golpear grupos como a FPLP e deter seus membros, é improvável que se materialize. Abbas e Kurei, no entanto, acreditam que tanto o Fatah, o maior grupo secular palestino, como os islâmicos do Hamas, que perpetraram a maioria dos atentados suicidas, aceitariam o cessar-fogo. Este tipo de trégua não encerraria a violência completamente. Mas permitiria reiniciar a atividade diplomática. Muito depende do reengajamento do presidente Bush, da disposição dos palestinos de por um fim à Intifada e de saber se Sharon arriscaria ser obrigado a restituir às pressas, como ele teme, uma parcela muito maior da Cisjordânia do que jamais se preocupou em contemplar.