Título: Saída para as dívidas deve vir do Senado
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2004, Especial, p. A-14

A cinco meses de vencer o prazo concedido pelo Senado Federal, três Estados e o maior município do país ainda estão longe de se ajustar aos limites de endividamento decorrentes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). As punições a que ficarão sujeitos Rio Grande do Sul, Alagoas, São Paulo e sua capital, porém, podem não ser tão duras. O Tesouro Nacional, a quem cabe fazer o controle, está inseguro quanto à possibilidade de vir a puni-los com suspensão de transferências voluntárias de recursos da União. Há quem entenda, dentro do governo federal, que, antes de 2017, a única punição possível aos desenquadrados é a proibição a que eles contratem novas operações de crédito - exceto aquelas necessárias ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária. Portanto, além de continuar tendo direito a recursos voluntários da União, os Estados e municípios com dívida líquida superior ao teto não seriam obrigados a promover limitação de empenhos orçamentários. A suspensão de repasses federais e a limitação de empenhos estão entre as punições previstas no artigo 31 da LRF. Os critérios de aplicação delas, no entanto, ficaram a cargo do Senado, a quem a lei delegou o poder de fixar os limites de endividamento e ainda o prazo e a trajetória de enquadramento. E, de acordo com o artigo 3 da Resolução do Senado que regulamentou a matéria, as punições do artigo 31 da LRF só se aplicariam completamente depois de terminado o prazo de enquadramento no limite definitivo, a ser exigido só em dezembro de 2016. O desenquadramento nos limites intermediários anuais só implicaria vedação de novas operações de crédito, punição prevista em outro artigo da mesma resolução. Ao regulamentar a LRF, a resolução 40 do Senado, aprovada em 2001, estabeleceu que a dívida consolidada líquida (DCL) de cada Estados não pode ser superior a duas vezes a respectiva receita corrente líquida (RCL) anual. Para os municípios, o teto fixado foi menor: 1,2 vez.

Na ocasião, muitos entes estavam bem acima do teto e não teriam como fazer um ajuste de uma hora para outra. Assim, o Senado deu 15 anos para um ajuste completo. Só aqueles cuja dívida líquida já estava dentro do limite ao final de 2001 ficaram imediatamente sujeitos ao teto de 1,2 ou 2 vezes a receita líquida. Para forçar o ajuste dos desenquadrados, foram estabelecidos limites intermediários: a cada ano, o excedente deveria ser reduzido em um quinze avos. Assim, uma prefeitura cuja relação DCL/ RCL fosse de 2,7 ao final de 2001 deveria reduzi-la em 0,1 ponto a cada ano, de forma a chegar ao final de 2016 em 1,2. Nos primeiros anos, por decisão posterior do Senado, houve dispensa do cumprimento dos limites intermediários anuais. Essa dispensa temporária, porém, tem data para acabar: 30 abril de 2005. Como a data-base dos tetos intermediários é dezembro, na prática, os Estados e municípios precisam estar enquadrados na trajetória de redução do excedente (um quinze avos ao ano) até o final de 2004. É nesse ponto que a situação do Rio Grande do Sul, de Alagoas, de São Paulo e de sua capital é delicada. Dado o tamanho do ajuste necessário, no caso deles, a perspectiva de enquadramento a curto prazo praticamente não existe, concorda o senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Minas Gerais também está acima do limite. Mas, considerado o ritmo de redução de sua dívida corrente líquida desde o fim de 2003, quando era de 2,43 vezes a sua receita receita corrente líquida, o Estado de Minas está perto e com perspectivas reais de se enquadrar a tempo no teto intermediário. Já os outros três e a Prefeitura de São Paulo estão longe. Tomando como referência dados do final de agosto informados ao Tesouro Nacional, os Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, por exemplo, precisariam reduzir sua dívida, respectivamente, em 14,89% (cerca de R$ 4,42 bilhões) e 10,31% (R$ 10,86 bilhões) para chegar enquadrados ao final do ano. Alagoas precisaria de uma redução mais drástica: 25% (R$ 1,16 bilhão).

No caso da Prefeitura de São Paulo, o dado mais recente disponibilizado pelo Tesouro Nacional é de abril de 2004, quando a DCL era de R$ 27,61 bilhões ou 2,35 vezes a RCL. Para chegar ao limite intermediário válido para dezembro de 2004 (1,712 vez a RCL), a dívida do município precisaria cair R$ 7,56 bilhões ou 27,38%, na hipótese de manutenção do mesmo patamar de RCL. Ainda que as punições não sejam tão drásticas a ponto de suspender transferências voluntárias, o senador Ney Suassuna defende que é preciso encontrar uma saída para os Estados e municípios com dificuldade de ajuste a curto prazo. Ele defende que governo federal, senadores, governadores e prefeitos sentem para negociar em torno de uma possível flexibilização da resolução 40, seja em relação ao prazo, seja em relação aos limites. Ele acredita que o governo federal está sensível ao problema e não será contrário a uma solução, desde que negociada. Sob o ponto de vista da norma, basta uma nova resolução do Senado para resolver o problema. Procurado pelo Valor, o Tesouro Nacional não se pronunciou ontem. Mas, diante do que se conhece da postura da atual equipe econômica, pode-se afirmar que uma alteração da Resolução 40 seria mais fácil de aceitar do que uma renegociação das dívidas dos Estados e municípios com a União, para alterar, por exemplo, o indexador (IGP-DI). Renegociar dívidas com a União implicaria alterar antes a Lei de Responsabilidade Fiscal, defendida com unhas e dentes não só pela atual equipe mas também pelos economistas do PSDB quando estavam no governo federal. Mesmo na oposição, o PSDB teria problemas para defender uma mudança na LRF, já que isso seria visto como incoerência. O senador tucano Tasso Jereissati (CE), por exemplo, tem argumentado justamente sobre a necessidade de respeitar a LRF para defender mudanças no projeto de lei das parcerias público-privadas (PPPs). Mudar a LRF traria ainda problemas de imagem do país perante os investidores internos e externos, que apostam na austeridade fiscal. Enquanto uma nova resolução exigiria apenas votação simples no Senado, uma alteração na LRF seria mais difícil também porque se trata de uma lei complementar.