Título: Com caixa, Petrobras acelera investimentos
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2005, Empresas &, p. B6

Petróleo Com US$ 7 bilhões até junho, estatal quer consolidar os negócios no Cone Sul, EUA e em outras regiões

Maior empresa da América do Sul, a Petrobras passa por um momento singular. Com caixa de US$ 7 bilhões até o primeiro semestre, o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, brinca que vive um "problema" que é decidir o que fazer com tanto dinheiro. Enquanto planeja investir US$ 56,4 bilhões nos próximos quatro anos, a companhia já analisa uma pilha de outros investimentos no Brasil e no exterior, sobre os quais Gabrielli evita dar qualquer detalhe, explicando apenas que "ir às compras" não é, necessariamente, a melhor opção. Apesar de se esquivar com ginga baiana das perguntas sobre novos investimentos, o executivo adiantou ao Valor que um deles, de volume ainda não estimado, poderá ser feito no Rio Grande do Norte, um dos estados que mais sentiu com a decisão da Petrobras e da Petróleos da Venezuela S/A (PDVSA), de construir nova refinaria em Pernambuco. "Estamos analisando fazer uma mini-refinaria no Rio Grande do Norte para produzir gasolina automotiva, elevando para 20 mil barris ao dia a capacidade de refino no Estado", disse Gabrielli. "Também assinamos um contrato de entrega de gás que vai viabilizar o projeto de uma siderúrgica no Ceará. E isso não é trivial", acrescentou, lembrando que a Petrobras já produz naquele Estado, mais especificamente na unidade de Guamaré, gás liquefeito de petróleo (GLP), diesel e querosene de aviação. Enquanto prepara as bases da auto-suficiência brasileira em petróleo até o final do ano, quando a produção nacional chegará a 1,85 milhão de barris ao dia, igualando o volume ao consumo, a companhia também acelera os investimentos para expandir sua rede de gasodutos de modo a abrir mercados para o gás que vai produzir, a partir de 2008, na bacia de Santos. Trata-se de um desafio e tanto considerando a falta de experiência na produção de gás sem que ele esteja misturado ao petróleo embaixo da terra. Mas se está deixando para trás o tempo em que seus percalços se resumiam ao aumento de produção interna e às dificuldades políticas, econômicas e financeiras ligadas ao atendimento do mercado nacional (sempre acompanhados de críticas sobre a forma de administrar preços), os atuais desafios da estatal têm tentáculos mais longos. A Petrobras agora mira a consolidação de investimentos e a integração dos seus projetos na América do Sul, por onde iniciou cinco anos atrás sua internacionalização, sem descuidar dos negócios plantados na África, Ásia e Oriente Médio. Hoje, a estatal tem os pés fincados em 15 países, sendo oito no Cone Sul e América Central, e já é vista como uma potência regional junto com duas outras estatais ainda maiores que a brasileira: a PDVSA e a Petróleos de México (Pemex). Em comum, o trio tem a produção de petróleo tipo pesado e com alto grau de enxofre, e o desafio de encontrar mercados para seus combustíveis, o que já começa a resultar em parcerias para atender os mercados brasileiro e latino-americano. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida por Gabrielli ao Valor , às véspera do aniversário de 56 anos do executivo. Valor: Valor: O senhor se referiu a um "problema", que é o excesso de caixa da Petrobras, hoje em US$ 7 bilhões. Isso significa que a companhia está indo às compras? José Sérgio Gabrielli: Ir às compras não é, necessariamente, o melhor uso do dinheiro. Em primeiro lugar, porque, apesar de termos aumentado nossos investimentos, ainda existem projetos da Petrobras que podem trazer um retorno melhor do que aquisições. De qualquer modo, a decisão sobre uma nova compra terá que levar em conta três aspectos: aderência estratégica, volume de investimentos associados a essa compra e o retorno. A consideração dessas três coisas é que vai levar a uma decisão. O quarto aspecto a ser considerado é que temos hoje uma dívida que foi constituída em um momento de maior dificuldade da companhia do que hoje. E se pudermos reestruturar essa dívida, reduzindo seu custo, esse é um resultado positivo. Contudo, uma empresa de petróleo com o caixa e a visibilidade internacional que temos não pode se furtar a analisar outros negócios.

Será preciso investir nos campos com alto grau de produção, tanto na bacia de Campos quanto em terra"

Valor: Valor: Para onde a Petrobras caminha no cenário internacional? Gabrielli: Nosso maior ativo está na Argentina, nossa maior produção virá da Nigéria e o maior investimento novo irá para os Estados Unidos. Lá, nós planejamos investir US$ 1,4 bilhão até 2010 na exploração em águas ultra-profundas, desenvolvimento da produção de petróleo e gás e exploração em águas rasas com poços ultra-profundos. Agora, iniciamos atividades de exploração em uma região ao sul do Golfo do México, onde adquirimos 53 blocos na fronteira com a área que pertence ao México e onde somos os únicos em atuação. Na América do Sul, vamos consolidar os investimentos, o que significa aumentar a atividade exploratória para reduzir a queda de reservas e expandir a produção integrando a atividade de refino. Na África, prevemos aumentar a exploração, já que não somos operadores dos principais blocos onde estamos. Estamos iniciando atividades no Irã e na Líbia. Acabamos de perder na Índia e estamos explorando gás no México, além de começar essa atividade na Tanzânia. Isso sem contar a Venezuela, com quem assinamos cinco convênios de parceria na semana passada. Valor: Valor: A Petrobras tem sido criticada no Brasil por aumentar o número de estatais por meio de subsidiárias. Porque isso está ocorrendo? Gabrielli: Eu não acho que aumentamos o número de estatais, não existem novas empresas. O que ocorre é que o processo orçamentário brasileiro é meio exótico em relação à Petrobras. Ela participa do orçamento anual de investimentos onde informa ao Congresso o que vai investir, detalhadamente por projeto e por empresa. E pode acontece de, em um determinado ano, investir em uma plataforma que pertence à PNBV (Petrobras Netherlands), que é uma empresa nossa na Holanda que é 100% de uma subsidiária da Petrobras. É um veículo que dispomos, uma hora por razões tributárias, basicamente para ter os benefícios do Repetro (regime especial de tributação para a área de petróleo), em outra por razões financeiras, no caso de financiamentos. Mas quando aparece isso no orçamento anual de investimentos você passa a ter uma empresa. Não quer dizer que se criou empresas novas. Esse problema também aconteceu com as companhias criadas para fazer o Gasene (Gasoduto Sudeste Nordeste), que nasceram da necessidade de se estruturar cada projeto. E cada uma delas tem que ser colocada no orçamento (da União). Mas todas são empresas da Petrobras, e repito, todas, são geridas por gerentes da companhia que não têm duplo emprego e nem duplo salário. Empresas novas mesmo são poucas. Entramos na Gasmig, que é uma distribuidora de gás do governo de Minas, em gasodutos e nas termelétricas, porque incorporamos plantas para minimizar perdas. A única empresa nova que temos agora é essa de Paulínia, que foi criada junto com a Braskem. A refinaria do Nordeste ainda não foi criada nem a Unidade Petroquímica Básica, do Rio, ainda está em fase de discussão com o governo local. Valor: Valor: A Petrobras também vem enfrentando problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU), que recentemente apontou irregularidades em obras da companhia. O problema não é novo e essas discussões também ocorreram nas gestões anteriores, mesmo durante o governo do presidente Fernando Henrique. Qual é a base da discórdia? Gabrielli: Existem algumas coisas que eu acho importante discutir a respeito do TCU. Uma delas diz respeito a uma questão de diferença de opinião estruturante. Existe o Decreto-Lei 2.745/98, que é baseado na Lei do Petróleo e cria condições especiais para as licitações da Petrobras, liberando a empresa da Lei 8.666 (das Licitações ). Esse decreto, que é presidencial, tem parecer vinculante da Advocacia Geral da União, que o TCU não reconhece. Grande parte dos "indícios graves" de irregularidades que ele aponta são por descumprimento da Lei 8.666 e por cumprimento da Lei 2.745. Esse é um primeiro problema, a interpretação jurídica sobre se um decreto pode se interpôr a uma lei. Mas o fato é que o 2.745 é um decreto-Lei. As outras questões dizem respeito a irregularidades que às vezes são por falta de uma assinatura, data inadequada ou falta de um parecer. A questão que pouco se divulga é quantas irregularidades graves sobram no final das análises. Valor: Valor: Para os próximos anos, quais são os grandes desafios da Petrobras no Brasil? Gabrielli: O primeiro é manter a relação entre reserva e produção estável nos próximos anos. Para isso, de um lado, será preciso aumentar o fator de recuperação dos nossos campos, investindo naqueles com alto grau de produção tanto na bacia de Campos quanto em outros em terra. Para isso, temos o Programa de Recuperação de Campos de Alto Grau de Exploração (Recage), que poderá elevar em 200 mil barris ao dia a produção sem novas descobertas. O outro desafio é produzir gás não-associado ao petróleo no campo de Mexilhão e no BS-500, na Bacia de Santos.