Título: Lei do gás vai tirar poder da Petrobras
Autor: Leila Coimbra
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2005, Brasil, p. A3

Infra-Estrutura Ministério prepara projeto que regulamenta desde a exploração até a venda do combustível

Assim como já fez com o setor de energia elétrica, o Ministério de Minas e Energia pretende encaminhar ao Congresso Nacional nos próximos dias um novo modelo de regulamentação para a exploração, produção, transporte e comercialização de gás natural no Brasil. O Valor obteve com exclusividade uma minuta do projeto de lei elaborado pelo governo federal, sob o nome de "Futura Lei do Gás". Pelo projeto, a Petrobras perde o monopólio do transporte do gás e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) ganha mais poder no setor. O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, confirmou que a minuta é fiel ao projeto que está sendo preparado por ele, em conjunto com a atual ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. "Fico preocupado com o vazamento da informação. Mas a espinha dorsal da minuta de vocês é semelhante ao projeto que está sendo elaborado por nós", disse. O projeto será encaminhado em regime de urgência e a expectativa do ministro é que seja aprovado até dezembro. O envio por meio de medida provisória também não está descartado. A principal novidade prevista no projeto de lei é a adoção de leilões públicos para a concessões de gasodutos de transporte do insumo, que passarão a ocorrer nos moldes das concessões de linhas de transmissão de energia elétrica. Hoje, a Petrobras detém o monopólio de toda a malha de transporte de gás do país, já que a legislação atual não prevê licitações públicas abertas a outros interessados. A construção e operação das redes de transporte são feitas por meio de autorização concedida pela ANP. Portanto, a estatal perderá o monopólio na área de transporte, mas a empresa não quis se manifestar sobre o projeto de lei. O acesso às redes de gasodutos por vários investidores também será tratado pelo projeto de lei. Para isso, será criado um novo órgão, o Supervisor de Movimentação do Gás Natural, que vai verificar a capacidade ociosa de cada gasoduto e a necessidade de transporte de cada investidor. Além do compartilhamento das redes de transporte, também está previsto no projeto o uso comum de instalações de gás natural liquefeito (GNL), gás natural comprimido (GNC) e das Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs), espécies de refinarias de gás que deixam o insumo com as características necessárias para a distribuição. Está prevista ainda a criação das figuras do consumidor livre e do auto-produtor de gás. O primeiro poderá trocar de fornecedor e o segundo acessar uma rede alheia para levar o gás a uma unidade industrial sob seu controle. Todas essas medidas devem gerar polêmicas. Também será criado um mercado secundário de gás natural, que permitirá a revenda do gás que não está sendo utilizado por um determinado investidor, a outro. O segmento de termeletricidade deverá se beneficiar dessa medida, revendendo para indústrias e comércio o seu gás por preços mais acessíveis, quando as usinas estiverem paradas. Estão previstos leilões no mercado secundário do gás das térmicas. Para organizar os leilões de compra e venda do insumo, tanto no mercado primário como secundário, será criada a Câmara de Comercialização de Gás Natural, segundo a minuta. Ainda há um impasse quanto à regulação ou não no mercado secundário. O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) é contra a regulação do mercado secundário, pois acredita que forçará demais para baixo os preços do mercado primário. Os ministros Silas Rondeau e Dilma Rousseff deverão fazer uma reunião para tratar desse tema na terça-feira, em Brasília. Silas Rondeau disse que um dos pontos principais do projeto é o fortalecimento da ANP. Entre outras funções, a agência conduzirá os leilões de gasodutos e também arbitrará nos casos de conflitos aos acessos às redes existentes. No caso das expansões dos gasodutos existentes, segundo o projeto de lei, os transportadores promoverão uma convocação pública para os interessados em adquirir capacidade de transporte e as regras para esse concurso público deverão ser aprovadas pela ANP. Esse mecanismo favorece o aumento do número de comercializadores, o que eleva a competição na compra e venda de gás natural. Um dos problemas políticos do governo em relação à futura lei do gás é que o senador Rodolpho Tourinho (PFL-BA), ex-ministro de Minas e Energia no governo de Fernando Henrique Cardoso, apresentou no Senado o Projeto de Lei nº 226, que redefine o arcabouço legal da área de gás, principalmente no que diz respeito ao transporte por gasodutos O ministro de Minas e Energia disse que o projeto do governo não é conflitante com o do senador Tourinho. "Eles são complementares. O do senador trata basicamente do transporte, e nós falamos da exploração, produção e também comercialização do insumo", disse Rondeau. Uma das principais diferenças entre os dois projetos é que o do senador dá poderes ainda mais amplos à ANP. A agência teria, pela proposta, poderes para estabelecer a metodologia para fixação das tarifas de transporte nos moldes praticados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para as redes de transmissão. Atualmente, as tarifas e as condições técnicas são negociadas entre usuários e proprietários do gasoduto, o que, ao longo do tempo, se mostrou pouco eficaz diante do poder de mercado dos transportadores e das características de monopólio natural que marcam essas instalações. No projeto de Tourinho, o Supervisor de Movimentação de Gás Natural é chamado de Operador Nacional do Gás (Ongás), mas ambos têm o mesmo objetivo: promover o uso eficiente dos gasodutos de transporte e unidades de armazenagem, aumentar a confiabilidade e eliminar condutas discriminatórias. O Ongás nada mais é que uma versão simplificada do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para o setor de gás natural. O diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, disse que era preferível o governo apresentar emendas ao projeto do senador. "Não faz nenhum sentido o governo apresentar outro projeto. O Congresso não vai aprovar nenhum dos dois e aí vai ser melhor para a Petrobras."