Título: Recordista de petismo é berço do MST
Autor: Caio Junqueira
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2005, Especial, p. A16

Com 12 em cada 100 habitantes filiados ao PT, Pontão (RS), a 300 km de Porto Alegre, no noroeste do Estado, é a cidade brasileira com maior número de petistas do país em relação ao eleitorado. É lá que está localizada a Fazenda Annoni, onde, há 20 anos, foi feita a primeira ocupação do Movimento dos Sem Terra (MST). O antigo latifúndio foi transformado em glebas de terra onde hoje vivem 400 famílias que participam ativamente das atividades petistas. Nas reuniões, decidem desde temas cotidianos, como o melhor atendimento da rede de transporte rural, até quais devem ser os candidatos do PT a vereador e a prefeito. Foi assim que se decidiu pela pré-candidatura do atual prefeito, Delmar Zambiasi, de 38 anos. Filho de empregados rurais que trabalhavam na Annoni, Zambiasi nasceu na fazenda e participou da ocupação. Apesar de não mais morar lá, parte de sua renda -além dos R$ 4 mil que recebe da prefeitura- vem da Annoni, com a plantação de soja e um "camping" construído nos 30 hectares que recebeu no assentamento às margens de uma bela represa. Tem churrasqueiras, piscina de azulejo (um toboágua será colocado para o próximo verão), campos de futebol e vôlei e chalés com diárias a R$ 50. A data da ocupação da Annoni- 29 de outubro - transformou-se em feriado municipal depois que Pontão elegeu, em 1996, o primeiro prefeito sem-terra do país, que foi reeleito em 2000 e passou o cargo em 2004 a Zambiasi. A bandeira do MST tem local privativo no gabinete do prefeito e na Mesa da Câmara, que também é presidida por um sem-terra. Na parte urbana do município, uma pequena avenida se estica por um quilômetro na cidade, com a prefeitura ao meio delimitando a luta de classes que os petistas afirmam haver: à esquerda da prefeitura, ficam as terras dos assentados; à direita, as propriedades das 22 famílias cujas rendas somadas são maiores que a renda do restante da população pontãuense. A tensão do conflito agrário já foi maior na época das primeiras ocupações, mas sempre reaparecem no período eleitoral. Às vésperas da eleição, os assentamentos ficam em vigília contra os chamados "ranchos", grupo de pessoas supostamente enviados por grandes proprietários rurais para trocarem cestas básicas por votos. Após as últimas vitórias eleitorais, houve atentados: uma escola e um posto de saúde foram incendiados na Annoni em 1996 e 2001, respectivamente. Neste ano, após a terceira vitória consecutiva do partido nas urnas, as ameaças por ora se restringem ao prefeito que, em uma das primeiras realizações de seu governo, desapropriou 10 hectares de uma fazenda colada à parte urbana da cidade. A crise do partido, segundo o prefeito, ainda não chegou à cidade. "As pancadas sobre o Lula não chegaram aqui e talvez nem cheguem", afirma. O otimismo pode ser explicado pelos projetos sociais do governo federal que chegam à cidade, como a distribuição de 180 bolsas-família, 60 cestas básicas e a construção de 400 habitações rurais. Nas reuniões em que avaliam a conjuntura, os petistas locais apontam as alianças "com a direita" feitas nas eleições de 2002 e o esquecimento "do povo" após assumir o governo como principais causas da crise. "Uma coisa errada neste governo foi não governar com o povo . Perdeu uma grande oportunidade. Agora, não vejo outra saída a não ser fazer como o Hugo Chávez, que o povo segura no governo para ele fazer as mudanças", diz Odacir Valério, vice-presidente eleito do PT. No âmbito nacional, Pontão elegeu Valter Pomar com mais de 90% dos votos. No segundo turno, direcionarão essa ampla votação para Raul Pont. Os petistas de Pontão atribuem a força do partido no local às gestões dos prefeitos assentados, que, de acordo com eles, priorizaram necessidades locais como alargamento e manutenção das estradas rurais, formação de uma satisfatória rede de transporte escolar, reforma do posto de saúde e a ampliação da eletrificação rural. No entanto, o modo de operar dos petistas de Pontão são contestados pela oposição, que os acusam de privilegiar os assentados em detrimento do restante da população. Também apontam um empreguismo exagerado e falta de transparência administrativa. De acordo com Rudimar Banaletti (PTB), também assentado rural, mas duro oposicionista, desde que o PT assumiu a prefeitura em 1996 o número de cargos de confiança passou de 160 para 300, ocupando hoje 56% da folha de pagamento do município. "Não é que o PT é maioria aqui, é que a maioria aqui não se interessa e nem quer se comprometer", diz Benaletti. (CJ)