Título: EUA querem fortalecer papel da OEA, diz Zoellick
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2005, Brasil, p. A4

Relações Externas Secretário vê riscos para democracia em três países

Preocupado com a instabilidade política crescente em países da América do Sul, especialmente na Venezuela, o governo americano quer que o Brasil se envolva mais nos problemas da região. Os americanos avaliam que a democracia corre riscos em três países - além de Venezuela, Equador e Bolívia - e que, por isso, é preciso fazer algo para evitar que isso aconteça. Uma maneira de enfrentar o problema é tornar mais efetivo o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA) na solução dos problemas do continente e usar os recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ajudar as economias desses países. As avaliações são do secretário de Estado adjunto do governo dos EUA, Robert Zoellick, que tratou ontem do assunto em encontros com dois ministros - Antonio Palocci, da Fazenda, e Celso Amorim, das Relações Exteriores -, o assessor internacional da presidência da República, Marco Aurélio Garcia, e com o líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP). Os mesmos temas, segundo ele, serão tratados pelo presidente dos EUA, George W. Bush, durante a visita que fará ao presidente Lula, dias 5 e 6, em Brasília. Em entrevista concedida na embaixada americana em Brasília, Zoellick, que ocupa o segundo posto na hierarquia diplomática dos EUA, disse que a América Latina tem hoje sistema político mais aberto do que tinha há 15 anos. A abertura, disse, , criou oportunidades para que pessoas, antes alijadas do processo político, passassem a ter voz. O problema, explicou, é que o sistema político desses países não respondeu às esperanças e aspirações dessas pessoas. O resultado, disse, tem sido o populismo. "(São) mensagens que parecem boas, mas no fim podem ser decepcionantes, destrutivas mesmo", afirmou o secretário. Segundo ele, a encarnação dessa situação chama-se Hugo Chávez, o presidente da Venezuela. "Chávez está respondendo ao fato de que existe uma falha no sistema político da Venezuela", disse Zoellick. O secretário americano não poupou o líder venezuelano. Disse que Chávez usa sua posição eleitoral para minar as instituições da democracia, a sociedade civil, ONGs, partidos da oposição e até o Banco Central. "Há sempre algo novo", afirmou. Questionado sobre afirmação de Lula, segundo a qual, "há excesso de democracia na Venezuela", Zoellick desdenhou: "Não sei o que isso significa." Para enfrentar o problema, o secretário sugere a revisão do papel da OEA, cuja relevância, no trato dos problemas da região, vem sendo questionada há muito tempo. "Democracia é mais do que eleição. É preciso ter instituições e a sociedade civil", observou. "No lado político, precisamos trabalhar mais com a OEA, não simplesmente da maneira como acontece hoje. Ela pode ajudar a criar 'networks' que ajudem as pessoas a desenvolver instituições de democracia. O mesmo vale para o BID. Você tem que criar um sentimento de abertura e oportunidade para as pessoas sustentarem a democracia." Zoellick sustentou que o problema da América Latina não são os governantes de esquerda que vêm assumindo o poder em vários países. Usou Lula e Ricardo Lagos (presidente do Chile) como exemplos. "A questão-chave é se os governantes são comprometidos com democracia e desenvolvimento. O presidente Lula é um exemplo de líder de esquerda que permaneceu com o processo democrático. Sabemos que em outras partes da América Latina as pessoas se viraram para a revolução. Lula perdeu várias eleições e permaneceu ao lado da democracia. Este é um sinal muito importante." O governo brasileiro discorda da proposta americana de tornar a OEA mais ativa na exigência do zelo pela democracia nos países-membros. "Eu disse ao Zoellick que defendemos uma cooperação mais sutil, nos moldes do Grupo de Amigos", disse ontem, em entrevista, Marco Aurélio Garcia, referindo-se à iniciativa lançada pelo Brasil para ajudar a pacificar a situação política interna da Venezuela e a estabelecer diálogo com Washington. Na entrevista, o secretário americano reclamou uma maior aproximação do Brasil com os EUA. Defendeu que, embora as relações sejam positivas, é preciso aprofundá-las. Mencionou como exemplo o fato de seu país estar intensificando relações com dois competidores do Brasil no mundo em desenvolvimento - China e Índia. Zoellick lembrou que, ao contrário do Brasil, a China não é um país democrático e que, portanto, há mais valores em comum entre americanos e brasileiros. "Nos parece que devemos ser capazes de fazer mais com o Brasil também. O Brasil é uma democracia, a China não é. De alguma forma, estejamos trabalhando questões políticas ou econômicas, espero que possamos plantar as sementes, embora esse (o próximo) seja um ano eleitoral no Brasil, quando é sempre mais difícil fazer as coisas funcionar. Reconhecemos que o Brasil é um dos principais países em desenvolvimento no mundo e deveríamos ter uma relação mais profunda", disse.