Título: Especulador vende 'kit Brasil'
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2005, Finanças, p. C1

Bolha de Emergente Risco-país salta 12,9% nos últimos três dias e Bovespa desaba 8,25%

Ainda não é o estouro da bolha especulativa em mercados emergentes, mas a derrocada das ações, dos bônus e das moedas dos países emergentes, iniciada na terça-feira e intensificada ontem, está assustando. Sobretudo ontem, o susto foi grande. Pesadas vendas derrubaram o risco-país e a Bovespa. Sem intervenção de compra do Banco Central, o dólar sustentou a tendência de alta. E os juros inverteram o viés de baixa no mercado futuro da BM&F. O risco-Brasil fechou a 385 pontos-base, alta de 3,49% em relação à véspera. Apenas nos três últimos dias, a disparada foi de 12,9%. Na segunda-feira, com o risco a 341 pontos-base, discutia-se quando afundaria ao menor nível histórico, os 337 pontos de outubro de 1997. Não se fala mais nisso. Nem em melhora do rating brasileiro por agência de classificação de risco. A Bovespa demorou 15 dias para avançar de 29 mil para 32 mil pontos. E apenas três para voltar aos 29 mil. Fechou ontem a 29.227 pontos, em desvalorização de 3,10%. Somente nos três últimos pregões, a Bolsa despencou 8,25%. O dólar subiu ontem 1,05%, para R$ 2,2920. Desde terça-feira, valorizou-se 2,83%. Enquanto sobe aqui, desaba frente a moedas fortes. Cada euro foi cotado ontem a US$ 1,2183 e o iene avançou a 113,24 por dólar. De nada adiantam fundamentos econômicos sólidos quanto a maré externa vira. A febre da valorização perpétua dos emergentes parece ter se encerrado na segunda-feira. A súbita perda de apetite por títulos de elevado risco foi desencadeada por sucessivos e aparentemente coordenados alertas de presidentes regionais do Federal Reserve (Fed) sobre os perigos potenciais da inflação americana. Por enquanto, o desmonte de posições arriscadas se restringe aos investidores mais especulativos, os hedge funds. O grande capital, que evita, por regras atuariais, assumir riscos em emergentes, ainda não migrou em massa para os títulos do Tesouro americano. Desde o início do mês, os juros dos treasuries de 10 anos oscilam pacatamente entre 4,36% e 4,38%. O presidente do Federal Reserve de Dallas, Richard Fisher, repetiu ontem os termos da advertência que já havia feito na terça-feira. Disse que o Fed está em alerta com avanço do núcleo da inflação americana. Fisher revelou sua preocupação com a capacidade e a facilidade com que as empresas estão encontrando para repassar aos consumidores a alta dos preços do petróleo. "As leituras do núcleo da inflação ficaram dentro da variação aceitável de 1% a 2%, mas elas estão se aproximando do topo da zona de tolerância do Fed, com pouca inclinação para a outra direção", frisou. Os temores inflacionários do Fed reforçaram a previsão dos analistas de que, na próxima reunião de mercado aberto, irá subir o fed fund dos atuais 3,75% para 4%. Mas alteraram as expectativas sobre o momento da interrupção do ciclo de aperto monetário iniciado em junho de 2004. Os economistas do Citigroup elevaram para 4,5% o teto do arrocho. Já os do Morgan acreditam que o Fed só irá parar de subir o juro quando chegar a 5%. Até ontem não havia surgido um prognóstico mais sombrio de avanço da taxa básica em 0,50 ponto na reunião do dia 1º de novembro. A perspectiva de reaperto amplificou o risco de crédito associado a grandes empresas americanas. Os comentários são de que a GM está prestes a sofrer novo downgrade, já que não estaria conseguindo rolar dívidas apesar de possuir caixa de US$ 20 bilhões. Especula-se também sobre a situação financeira da Delphi. Confusos, os analistas internacionais não sabem se concentram o foco nos sinais de recrudescimento da inflação ou nos de arrefecimento da atividade econômica nos EUA. Não há contradição nisso, segundo o economista-chefe do Banco Pátria, Luis Fernando Lopes. Há um repique da inflação, motivado pelos preços da energia, num momento de enfraquecimento econômico. "O Fed não se mostra disposto a sacrificar o combate à inflação em nome do crescimento", diz Lopes. Em um primeiro momento, a prioridade será a inflação. Mais tarde, depois que as pressões inflacionárias forem debeladas, a atenção se voltará à recuperação da economia. Os especuladores instalados no mercado futuro de petróleo da Nymex não contavam com a perda de vigor da economia americana. Como são basicamente os mesmos hedge funds que atuam em câmbio e bônus de emergentes, ajudam a conturbar ainda mais o cenário. Pesadamente comprados na virada do mês, estão amargando pesados prejuízos. Só nestes quatro primeiros dias de outubro, o barril tombou 7,37% em Nova York. Fechou ontem a US$ 61,36. Para compensar as perdas, vendeu ações de petrolíferas mundo afora. Mas o quadro de fuga acelerada dos ativos emergentes pode se complicar sobremaneira se algum hedge fund , ou um grupo deles, não resistir. "Até agora, há muito terrorismo. Os fundos estão exagerando para virar o jogo a seu favor", alerta Alex Agostini, economista-chefe da Global Invest Asset. A bolha dos emergentes ainda não estourou.