Título: O futuro das PPPs e a crise política no país
Autor: Eda de Medeiros e Luciano Lucas
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O sistema legal das parcerias está posto, e sua viabilidade, não obstante as crises políticas, é factível"

Em um recente depoimento à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, o deputado José Dirceu (PT-SP) referiu-se à corrupção como um óbice à plena utilização das parcerias público-privadas (PPPs). Vivemos em um momento em que os recursos públicos são escassos, não obstante as necessidades sociais se avolumarem. Neste panorama é que surgiram as PPPs. As PPPs são modalidades contratuais muito utilizadas na Inglaterra, Portugal, Alemanha e Holanda, dentre outros países. A nova lei brasileira objetiva dar maiores garantias ao parceiro privado, possibilitando ao poder público utilizar-se de recursos privados para o alcance das finalidades que se lhe impõem. O depoimento do deputado José Dirceu coloca a nova figura contratual como refém da crise política. Não nos parece correto. O Estado, desde há muito, não tem os recursos necessários para a prestação dos serviços públicos. Basta ver a condição do ensino público: hoje são aproximadamente 20 milhões de analfabetos puros e 50 milhões de analfabetos funcionais. É imperioso, portanto, que o Estado se torne moderno, investindo melhor seus recursos, valorizando a ética e aproximando-se dos parceiros privados. A Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, flexibilizou a forma de contratação do poder público. Até então, o administrador público vivia de mãos atadas, pois somente podia contratar em face da Lei de Licitações, que determina prazo pequeno - de cinco anos - para a realização da obra ou dos serviços, ou se utilizar da Lei de Concessões, de no máximo trinta anos para os serviços tarifários, transferindo o preço para o consumidor. E os demais serviços públicos, a exemplo da educação, moradia, saúde, prisões e etc? É nesse aspecto que a lei inova. Com as PPPs, o Estado terá maior liberdade, pois a espécie contratual é flexível, o que demonstra grande avanço no Brasil. Além disso, com a possibilidade do parceiro privado apresentar projetos de PPP ao ente público, ter-se-á uma enorme economia de gastos ao lado da multiplicação de idéias, modos e sistemas para prestação de serviços públicos. Essa característica, se cria maior proximidade entre o particular e o público, o que hoje seria a causa da crise, ao menos para alguns, não é viciosa, uma vez que é prevista de modo amplo e democrático. Diante do que se pretende implementar, cada PPP poderá ter uma modelagem própria, onde a iniciativa privada assume o compromisso de criar e realizar o objeto contratual, com investimentos próprios, obtendo retorno e remuneração ao longo do período de contratação, oriundos do orçamento público ou da exploração econômica do projeto efetivamente empreendido. Frente a um interesse público explicitamente identificado, a PPP oportuniza a efetivação da função pública no atingimento das suas finalidades e oferece a oportunidade de negócios para a iniciativa privada, gerando muitos benefícios e empregos.

No ideograma chinês o vocábulo crise é identificado por um símbolo que representa perigo e oportunidade

Além disso, a PPP terá bom curso se forem respeitadas as garantias previstas pela Lei. São elas: (1) a vinculação de receitas; (2) a instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; (3) a contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo poder público; (4) garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo poder público; (5) garantia prestada por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; ou (6) outros mecanismos admitidos por lei. Os estudiosos têm discutido a constitucionalidade dessas garantias, especialmente com relação à vinculação de receitas. Sem menoscabo disso, ainda não houve a manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, razão pela qual deve se presumir a constitucionalidade da nova Lei das PPPs. A previsão das garantias foi minuciosa, para que fosse dada maior segurança ao vulto dos negócios - no mínimo R$ 20 milhões. E esse rol não é taxativo, pois outra norma legal pode prever outras garantias que sejam necessárias para contratos de maior calibre e envergadura. Enfim, o sistema legal está posto. Sua viabilidade, não obstante as crises políticas, é factível. Registre-se, nesse sentido, a regulamentação que se deu, no Estado de São Paulo, pela Lei nº 11.688, de 19 de maio de 2004, e pela criação da Companhia Paulista de Parcerias. Em outros Estados não é diferente, valendo citar as Lei nº 14.868/03, de Minas Gerais, a Lei nº 12.930/04, de Santa Catarina, a Lei nº 14.910/04, de Goiás, e a Lei nº 9.290/04, da Bahia, o que comprova que a PPP é o instrumento que vai viabilizar a prestação de serviços públicos, colaborando com a modernização do modelo estatal. A implementação efetiva das PPPs, no entanto, dependerá do enfoque de objetivos precisos, delimitados após um minucioso planejamento. E seu sucesso está diretamente ligado à regulamentação que extirpe os eventuais problemas com a corrupção, o enriquecimento ilícito, as negociações duvidosas e os serviços de má-qualidade. E isso cabe não só à administração pública, mas à sociedade. No ideograma chinês o vocábulo crise é identificado por um símbolo que representa a um só tempo perigo e oportunidade. Empresários que, nos dias de hoje, vislumbrem esse novo espaço, estão fadados ao sucesso.