Título: Greve de servidores e autuações da Receita já afetam empresas
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Brasil, p. A2

A greve dos servidores da Receita Federal e o envio de um lote de 75 mil autos de infração desde o fim de setembro estão deixando muitas empresas num beco sem saída. Os autos de infração foram feitos a partir do cruzamento eletrônico de dados, conhecidos pelo alto índice de incorreções e que têm provocado milhares de reclamações. Com os funcionários parados e os prazos correndo, algumas empresas não têm conseguido obter Certidões Negativas de Débito (CNDs) e, por essa razão, estão impedidas de participar de licitações, receber crédito em bancos públicos, fazer desembaraço aduaneiro e até realizar alterações no quadro societário. No caso das licitações, além das Certidões Negativas de Débito, as empresas precisam estar limpas no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), onde a checagem da situação das empresas é feita on-line. Representantes da Federação das Associações Comerciais de São Paulo (Facesp) e do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (Sescon-SP) se reuniram na sexta-feira com o secretário da Receita, Jorge Rachid, para resolver o problema. A proposta das entidades é suspender os 75 mil autos de infração e prorrogar por 60 dias, após o término da greve, os prazos das Certidões Negativas de Débito vigentes. Outra proposta apresentada pelas duas entidades foi a concessão de CNPJs provisórios para os pedidos de abertura de empresa pendentes. Segundo o presidente do Sescon-SP, Antônio Marangon, até agora não houve resposta sobre os pedidos. A greve dos servidores, motivada pela medida provisória que criou a Super Receita, também não tem, até o momento, data para acabar. A Sescon-SP e outras quatro entidades ligadas que atuam na área de contabilidade publicaram comunicado em jornais que circularam ontem, protestando contra os autos de infração da Receita. O presidente do Sescon disse que vem recebendo dos associados várias autuações inconsistentes, sem que haja a quem recorrer, com as delegacias praticamente paradas, principalmente nas capitais. Como o prazo para recurso é de 30 dias, as primeiras autuações do lote de setembro já estão começando a vencer, deixando as empresas com débitos em aberto. Apesar de aprimoramentos introduzidos no sistema de cruzamento de dados da Receita, algumas falhas persistem. O principal problema ainda são pequenas diferenças entre as informações prestadas pelas empresas nas Declarações de Créditos Tributários Federais (DCTFs) e aqueles registrados e processados na própria Receita. Em um dos casos levados ao Sescon, a dívida teria sido paga dois dias antes do vencimento, mas declarada como paga apenas no vencimento - mas para a Receita, nada foi pago. Em outro caso, a empresa atrasou em seis dias um pagamento de R$ 2,6 mil, o que resultaria em multa de R$ 70,81. A empresa foi autuada, no entanto, em R$ 3,8 mil. As dificuldades do sistema de cobrança da Receita acabam sendo levadas ao Judiciário, o que traz custos para as empresas e mais trabalho para os juízes. Segundo Andrei Furtado Fernandes, responsável pela área tributária do escritório Barbosa, Mussich e Aragão advogados, um levantamento feito na Justiça Federal de São Paulo antes da criação da Super Receita encontrou um fluxo de 40 novas ações diárias contra autuações da Receita. Segundo Fernandes, há juízes que recebem, além do seu trabalho cotidiano, três ou quatro ações desse tipo por dia. As ações são compostas por cópias de declarações, comprovantes de pagamento e planilhas que precisam ser apenas conferidas. De acordo com o advogado, outra questão levantada com a unificação da Receita foi uma falha no sistema, ocorrida no dia 2 de setembro, que levou à revalidação de todos os débitos que estavam suspensos judicialmente. O resultado foi a entrada de novos recursos na Receita Federal e, em alguns casos, de novos recursos ao Judiciário, apenas para comprovar que a decisão judicial ainda era válida. Para Fernandes, o problema da Receita é o aumento desproporcional das informações que ela recebe e a modesta estrutura de atendimento ao público. De acordo com o advogado, o número de obrigações acessórias da Receita - as declarações feitas pelos contribuintes - cresceu cinco vezes nos últimos anos, mas a estrutura do Fisco permaneceu a mesma. O resultado foi o aumento no número de autuações e de erros nos processos. Com a criação da Super Receita, os problemas vão se acentuar, o que, segundo o advogado, deveria levar o governo a criar a nova instituição de forma gradual. Procurada, a Receita Federal não se pronunciou sobre o assunto.