Título: Ofertas de EUA e UE são consideradas positivas, porém insuficientes
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Brasil, p. A3

Relações Externas Apesar de representarem corte real pequeno, propostas dão fôlego a negociações

O Brasil e outros países exportadores agrícolas consideraram no bom caminho, mas insuficientes, as ofertas apresentadas ontem pelos Estados Unidos e União Européia (EU) para o corte de seus subsídios e tarifas agrícolas. As propostas foram feitas em reunião com ministros de 15 países organizada pelos EUA em Zurique (Suíça), para revigorar a Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC). Todo mundo elogiou o gesto dos Estados Unidos, principalmente. Até agora, o país não tinha feito movimentos na negociação e estava isolado. Agora, voltou com uma oferta que chegou a surpreender os negociadores, dada a apatia anterior. OS EUA propuseram corte de 60% nos seus subsídios agrícolas que mais distorcem o mercado. Como é negociação, ninguém iria mesmo dizer que estava contente quando a barganha começou. As reduções colocadas ontem na mesa, contudo, apenas se ajustam aos atuais gastos agrícolas dos dois elefantes do comércio mundial. O corte de 70% proposto pela UE significa redução de apenas US$ 3 bilhões ante os US$ 80 bilhões de subsídios autorizados, segundo cálculo da organização não-governamental Oxfam. Técnicos dos EUA, por sua vez, calculam que a promessa de corte de 60% nos subsídios que mais distorcem o mercado (chamados de caixa amarela) representa uma redução maior do seu lado. A diminuição seria de US$ 6,4 bilhões, diante do total de US$ 19,1 bilhões autorizados para esse subsídio. Técnicos do G-20, contudo, retrucam que quando se faz o calculo com base no corte de 53% que os EUA prometem fazer em todos seus subsídios domésticos (e não apenas na caixa amarela), a redução, na prática, é de apenas 5%. Por isso, a Oxfam diz que Washington e Bruxelas querem "a rodada de graça". Para o ministro de Comércio da Índia, Kamal Nath, as "desigualdades continuam de pé". Já o ministro australiano Mark Veil conclamou outros países que subsidiam seus agricultores a seguir os passos dos EUA. O ministro canadense Jim Peterson está esperando para ver se as propostas "são sérias". Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil, considerou a reunião "politicamente positiva". O fato é que a negociação agrícola na OMC entrou em um novo ritmo. Washington e Bruxelas passam a disputar iniciativas, que até agora estavam limitadas ao G-20, o grupo coordenado pelo Brasil. Antes mesmo da reunião com os ministros de 15 países, o negociador comercial chefe dos EUA, Rob Portman, detalhou aos jornalistas a proposta americana, deixando claro que fizera "o dever de casa": procurou o apoio do Congresso e do agronegócio americano para oferecer corte de 60% nos subsídios que mais distorcem o comércio. Portman deu logo uma estocada na União Européia (UE), mostrando que esse corte era maior do que os europeus tinham pedido para os EUA fazer, de 55%. Minutos depois, o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, distribuiu uma nota dizendo que não só empataria como "iria bem além" da oferta americana. A tarde, propôs corte de 70%. Só que o texto de Mandelson não fazia nenhuma referência à redução de tarifas - o grande problema europeu. Indagado sobre a ausência, retrucou: "Hesito em lhe dizer que não li meu comunicado". Houve um verdadeiro ping-pong entre Washington e Bruxelas nos três pilares da negociação agrícola, enquanto exportadores se diziam "mais encorajados" pela atitude dos EUA em subsídios do que da UE em corte de tarifas. Em comum, as propostas estão condicionadas ao que os outros parceiros fizerem. Portman assinalou mais de uma vez que na agricultura a barganha é clara: corta subsídios esperando que europeus, indianos e outros reduzam fortemente as tarifas em seus mercados para que os exportadores americanos sejam compensados pelas "dores" que sofrerão com o cheque menor do governo. "Os emergentes têm que abrir mais seus mercados, é uma evidencia", insistiu Portman. Mandelson foi além, cobrando na negociação de serviços o uso de fórmulas para estabelecer numero mínimo de setores a serem liberalizados, o que é polêmico e rejeitado pelo Brasil. A grande questão nos corredores da mini-ministerial foi até onde realmente pode haver cortes de subsídios pelas propostas colocadas na mesa. Um negociador americano admitiu que não tinha condições de dizer se os EUA reduziriam sua ajuda aos agricultores. Certo mesmo, disse, é que o país quer transferir programas para outras categorias de subsídios. No pilar de subsídios domésticos, os EUA aceitam cortar 60% desses pagamentos que mais distorcem o comércio (caixa amarela), desde que os europeus cortem 83%, por serem os que hoje mais dão esse tipo de subvenção que estimula excesso de produção, com mais de US$ 80 bilhões. Os EUA acabaram propondo cortar em 53% o total de seus subsídios domésticos, que dizem ser de US$ 50 bilhões. E cobram da UE um corte total de 80% para harmonizar os níveis de subsídios entre ambos. Na prática, os cortes são sempre menores porque as propostas são de redução a partir dos subsídios autorizados, que são menores do que os efetivamente praticados. Em acesso ao mercado, a ambição dos EUA é de reduzir subsídios e tarifas em cinco anos e eliminar tudo por volta de 2023. Outra questão é sobre o numero de produtos sensíveis, com corte menor de tarifas. Os americanos querem limitar esses produtos a não mais de 20. A UE quer mais, e oferece compensação através de cota ampliada. Mas o Japão quer proteger com sensíveis entre 10% e 15% de suas linhas tarifárias, e não aceita teto para tarifa de jeito nenhum.