Título: Proposta não traz ganho real, diz exportador
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Brasil, p. A4

Relações Externas Nas contas do setor privado brasileiro, cortes efetivos de UE e EUA seriam de apenas 5%

As propostas dos Estados Unidos e da União Européia para a negociação agrícola da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), não representam cortes reais dos subsídios concedidos aos seus produtores, avaliam representantes dos agricultores brasileiros e analistas de comércio exterior. "Essa rodada não pode ser só de água", afirmou Antônio Donizeti Beraldo, chefe do departamento de comércio exterior da Confederação de Agricultura do Brasil (CNA). No jargão da OMC, cortar "água" ocorre quando a redução dos subsídios consolidados não atinge os níveis efetivamente aplicados pelos países. De acordo com cálculos da CNA, a União Européia consolidou na Rodada do Uruguai o direito de conceder 67,16 bilhões de euros para seus agricultores na caixa amarela, onde estão os subsídios que mais distorcem o comércio. Na prática, o bloco europeu utiliza apenas 24 bilhões de euros, ou 35% do total consolidado. A UE está propondo um corte de 70% em sua caixa amarela, que representaria apenas 5% do total realmente pago. Já os Estados Unidos consolidaram subsídios de US$ 19,1 bilhões para sua caixa amarela, mas utilizam cerca de US$ 11,4 bilhões. Os EUA estão propondo cortar sua caixa amarela em 60%, o que significa corte real de 19%. "No caso dos americanos, o maior risco é a troca de caixas", avalia Beraldo. O especialista alerta para a transferência de subsídios da caixa amarela para a azul, onde estão os subsídios que distorcem pouco o comércio. Levantamento do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) demonstra que, com os cortes propostos ontem em Zurique, os EUA teriam uma folga para conceder US$ 17,18 bilhões em subsídios (caixa amarela, azul e de minimis). Na safra 2004/05, os americanos gastaram US$ 18,14 bilhões em subsídios. Ou seja, sua proposta representaria um corte de apenas 5% do apoio doméstico total. Os produtores brasileiros, no entanto, comemoraram o fato de Estados Unidos e União Européia finalmente terem colocado suas cartas sobre a mesa. "Explicitar os números foi muito importante. Dá engajamento para a negociação", reconhece Donizeti. "É cedo para comemorar, mas a negociação está entrando nos trilhos", avalia Marcos Sawaya Jank, presidente do Icone. "Pela primeira vez, dá a sensação de que Hong Kong pode trazer algum resultado", completa. Jank ressaltou que muitas propostas do G-20 foram aceitas por EUA e UE. Na avaliação do presidente do Icone, é impossível para o Brasil aceitar, isoladamente, a proposta dos EUA ou da União Européia. Ele avalia que é possível perceber que cada bloco está protegendo sua área mais sensível. No caso da UE, acesso a mercados. Nos Estados Unidos, apoio doméstico. Mário Marconini, analista de comércio exterior e ex-economista da OMC, disse que a apresentação das propostas americana e européia foi super positiva e surpreendeu os especialistas. "Havia o risco de ficarmos só discutindo filosofia até Hong Kong". Ele ressaltou, porém, que é inaceitável a proposta americana de deixar 1% dos produtos agrícolas como sensível. Nos seus cálculos, são cerca de 20 linhas tarifárias. "Dá para incluir tudo que interessa ao Brasil". Pedro de Camargo Neto, especialista em comércio exterior, afirmou que os cortes propostos não são suficientes e também alertou para a possibilidade de os Estados Unidos transferirem subsídios para a caixa azul. Camargo Neto, que é o mentor do painel do algodão, vê com ressalvas o pedido dos EUA de uma "cláusula da paz", que impediria os países de contestarem os subsídios agrícolas na OMC. "A 'cláusula da paz' pressupõe cortes de significativos. Não um corte de espuma como esse", afirmou. Após as propostas na área agrícola, EUA e UE devem aumentar a pressão sobre a indústria. Para Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), EUA e UE estão desviando a discussão, já Doha nasceu para discutir agricultura. "Querem incluir a indústria para não perder a oportunidade de cobrar".